Quem sou eu para elogiar o Milton Nascimento?

Por Simão Zygband

Milton em sua última apresentação no Mineirinho

 

 

Todos que me conhecem sabem que eu desde sempre fui um Miltonmaníaco. Um poeta de grandeza planetária. O compositor que sempre me sensibilizou desde a minha juventude.

Preferi não coletar e publicar no Construir Resistência textos magníficos de outros que tecem elogios rasgados ao Bituca, que vi por aí em várias publicações no Facebook ou nos sites, como faço quando avalio a grandeza editorial que eles carregam. Em geral, aqueles que escolho me representam, como se fosse eu mesmo que os tivesse escrito.

Mas com o Milton Nascimento é diferente. É um dos nossos gênios contemporâneos, para mim um dos meus preferidos, por compor e cantar como se fosse um Deus. Um verdadeiro Mozart da Música Popular Brasileira.

Confesso que tive dificuldades de escrever sobre o meu ídolo. Alguém de quem sempre soube cantar de cor a maioria das músicas. Que maravilhou a minha juventude com composições magistrais. Mas os meus sentimentos são insignificantes perto da grandeza de Milton, uma pessoa que transborda genialidade, humildade, bondade, amor, generosidade. Faltam adjetivos para qualificá-lo.

Milton Nascimento devolveu ao Universo através de seu cantar, todo amor que recebeu. Circula pela internet um texto maravilhoso sobre a sua biografia, que talvez nos dê alguma dica de por que ele se tornou esta pessoa tão maravilhosa:

“A empregada doméstica Maria do Carmo, a Carminha, em foto tirada de sua carteira profissional no ano de 1940.
No início de 1942, trabalhando no Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca, numa pensão, Carminha conheceu o motorneiro (condutor de bondes) João, que residia na favela Barreira do Vasco.
Dessa relação veio uma gravidez, a qual João resistiu em assumir. Mesmo assim,m Maria do Carmo foi morar na favela com a família do companheiro, até receber a visita da sua ex-patroa Augusta (dona da pensão onde Carminha trabalhava), que impressionada com as péssimas condições de vida do menino ainda pequeno (não tinha dois de vida) sugeriu que Maria do Carmo retornasse ao seu antigo emprego.
Contudo, a jovem contraiu tuberculose e temendo que contagiasse o filho, retornou à sua cidade de origem, Juiz de Fora (MG), onde veio a falecer em 1944, com apenas 26 anos de idade.
O menino acabou sendo adotado por Lília Silva Campos, filha de dona Augusta, indo residir em Três Pontas (MG). O nome do menino é Milton Nascimento, que completou esse ano 80 anos de idade”.
Wayne Shorter, Björk e Herbie Hancock
Não gostaria de me alongar mais. Vi parte do último show de despedida dele disponibilizado ontem, que reuniu presencialmente mais de 60 mil pessoas no estádio do Mineirinho, em Belo Horizonte, Minas Gerais, fora outras milhões atingidas pela internet.
Sou daqueles que viu apenas uma parte do espetáculo, mas não tive a coragem de ver todo. Era muito emocionante para mim, para muito de nós, e sobretudo para o próprio Milton.
Explico o meu incômodo. O último show do Milton Nascimento aconteceu muito próximo da morte de Gal Costa. Tirando a Elis Regina, que se foi precocemente, ela abriu uma triste lista do previsível falecimento dos maiores ídolos da minha geração.
Já tinha assistido ao espetáculo do Bituca, em São Paulo, há cerca de 2 anos, no Espaço das Américas, no bairro da Água Branca. Era notório que ele já tinha dificuldades de fala e locomoção. É difícil ver seu ídolo envelhecer.
Ele te proporciona a plena dimensão do seu próprio envelhecimento.
É ruim estar velho?
Claro que não. É uma dádiva para aqueles que acreditam em Deus.
Milton tem reunido suas últimas energias. Só ele seria capaz de persistir, diante de tantos problemas de saúde que teve, sobretudo com a diabetes.
Se tornou devido a ela um magro, esquelético, depois virou um gordinho meio inchado.
Eu ouvia naquela ocasião vozes horrorosas, preconceituosas, que depois acabaram desembocando no bolsonarismo, que Milton tinha colocado platina nas narinas de tanto cheirar cocaína ou que estava com Aids por ser homossexual.
Nem tudo foram flores na trajetória do ídolo, apesar dele ser um gênio planetário da música universal. Acho que nada disso o incomodou.

A lista de astros internacionais que se declaram fãs de Milton Nascimento é imensa. A islandesa Björk gravou “Travessia” em português. Maurice White, líder do Earth, Wind & Fire, declarou que a banda teve a influência dele em sua sonoridade. A estrela argentina Mercedes Sosa é um capítulo à parte na trajetória de Bituca. Os dois dividiram amizade fervorosa e gravações antológicas, como “Volver a los 17” (no disco “Geraes”, 1976). Já Paul Simon cantou “O vendedor de sonhos” com Milton em “Yauaretê” (1987).

A lista inclui a banda inglesa Duran Duran, os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo, o argentino Fito Páez, entre outros.

Milton Nascimento, aliás, tem inclusive um prêmio Grammy na prateleira: o disco “Nascimento” com que foi laureado como o melhor álbum de world music de 1998.

Bituca, alias, conta com um grande admirador. Nada menos que Herbie Hancock, uma lenda do jazz, que faz o seguinte elogio a ele:

“A música de Milton transcende as fronteiras geográficas e atinge todas as faixas etárias. É música universal. É por isso que melodias, letras, harmonias, arranjos e a voz de Milton tocam o coração das pessoas no mundo todo. A música dele é amada em todos os lugares, pelo público comum e pelos músicos. Poucos artistas conseguiram atingir todas essas áreas. Não há ninguém como Milton Nascimento“.

Milton gravou com Hancock e nada menos do que com Wayne Shorter, outro monstro do jazz. Conta o Herbie: “Uma de minhas memórias mais afetuosas foi trabalhar com Milton e Wayne Shorter no disco “Native dancer”. Outro álbum (“Angelus”, de 1993) tinha não apenas Wayne Shorter no saxofone, mas também Pat Metheny na guitarra e outras estrelas do mundo do jazz. Nesse álbum, Milton encorajou nossas explorações em áreas muito avançadas de descoberta musical”.

Quem sou eu para elogiar Milton Nascimento?

 

O texto do Herbie Hancock sobre o Milton Nascimento publicado no Construir Resistência no link abaixo:

Abaixo, a íntegra do show no Mineirinho

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