‘Não há ninguém como Milton Nascimento’, diz Herbie Hancock, lenda do jazz

Por Gabriel de Sá – para o Estado de Minas

Foto: Mario Anzuoni/AFP/2/2/11

 

Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, pianista afirma que Bituca faz música universal que toca o coração das pessoas, algo que raros artistas conseguem

 

Logo após conquistar o Brasil com “Travessia”, em 1967, Milton Nascimento foi convidado pelo arranjador Eumir Deodato a gravar um disco nos Estados Unidos voltado para o público norte-americano. “Courage” saiu em 1969, três anos antes de “Clube da Esquina”, e deu o pontapé inicial na carreira internacional do artista – e que pontapé!.

O álbum traz a participação do pianista norte-americano Herbie Hancock, que se tornaria colaborador frequente de Bituca. Em “Courage” está a versão em inglês de “Travessia”, chamada “Bridges”, que encantou a diva do jazz Sarah Vaughan e foi regravada por ela ao lado de Milton no fim dos anos 1970.

Herbie Hancock, em entrevista por e-mail ao Estado de Minas, conta que o primeiro encontro dele com Bituca ocorreu no Copacabana Palace, em 1968, quando veio ao Rio de Janeiro curtir a lua de mel com a esposa, Gigi. O jazzista, que já conhecia o pianista e arranjador Eumir Deodato, telefonou para ele assim que chegou ao Brasil.

“Eumir estava produzindo um novato chamado Milton Nascimento. Ele foi ao hotel e levou Milton, que estava com seu violão”, recorda. “Quis ouvir algumas das canções, e ele começou a cantar e tocar sua bela música.”

Tiveram início ali a parceria e a admiração de uma vida inteira. “Nunca vou me esquecer desse primeiro encontro. O som de Milton me surpreendeu”, conta o jazzista, hoje com 81 anos.

As memórias de Hancock sobre o brasileiro são reveladas com carinho. Uma das mais vívidas é a gravação do disco “Native dancer” (1975), com Milton e o saxofonista Wayne Shorter, nos Estados Unidos. Outras vêm das sessões do álbum “Angelus”, lançado em 1993.

O elenco de estrelas que Bituca reuniu em “Angelus” chama a atenção: Jon Anderson, do Yes, Peter Gabriel, do Genesis, o guitarrista Pat Metheny e o astro James Taylor – além de Shorter, Hancock e do contrabaixista Ron Carter, trio que tocou com a lenda Miles Davis. Também está lá o baterista norte-americano Jack DeJohnette.

Nascido em Chicago, Herbie Hancock é autor dos clássicos do jazz “Watermelon man” e “Cantaloup Island” – esta regravada por Milton no disco “Pietá” (2002), com participação do compositor.

O americano classifica a música do brasileiro como universal. “Melodias, letras, harmonias, arranjos e a voz de Milton tocam o coração das pessoas no mundo todo”, diz.

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Milton Nascimento em foto da capa de ”Courage”, disco que lançou nos EUA em 1969 (foto: AM/Records)

A lista de astros internacionais que se declaram fãs de Milton é extensa. A islandesa Björk gravou “Travessia” em português. Maurice White, líder do Earth, Wind & Fire, declarou que a banda teve a influência dele em sua sonoridade.

A estrela argentina Mercedes Sosa é um capítulo à parte na trajetória de Bituca. Os dois dividiram amizade fervorosa e gravações antológicas, como “Volver a los 17” (no disco “Geraes”, 1976). Já Paul Simon cantou “O vendedor de sonhos” com Milton em “Yauaretê” (1987). A lista inclui a banda inglesa Duran Duran, os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo e o argentino Fito Páez.

Milton Nascimento, aliás, tem um prêmio Grammy na prateleira: o disco “Nascimento” foi laureado como o melhor álbum de world music de 1998.

“Amo o senso de harmonia do Milton”

O que levou a música de Milton Nascimento para tantos lugares fora do Brasil?

A música de Milton transcende as fronteiras geográficas e atinge todas as faixas etárias. É música universal. É por isso que melodias, letras, harmonias, arranjos e a voz de Milton tocam o coração das pessoas no mundo todo. A música dele é amada em todos os lugares, pelo público comum e pelos músicos. Poucos artistas conseguiram atingir todas essas áreas. Não há ninguém como Milton Nascimento.

Entre suas colaborações com Milton, quais você guarda com mais simpatia?

Realmente, amo o senso de harmonia do Milton, sempre louvei a oportunidade de trabalhar com ele e improvisar em cima dos belos acordes que ele cria. Uma de minhas memórias mais afetuosas foi trabalhar com Milton e Wayne Shorter no disco “Native dancer”. Outro álbum (“Angelus”, de 1993) tinha não apenas Wayne Shorter no saxofone, mas também Pat Metheny na guitarra e outras estrelas do mundo do jazz. Nesse álbum, Milton encorajou nossas explorações em áreas muito avançadas de descoberta musical.

A amizade de vocês dura mais de 50 anos. Que memórias você guarda desses encontros?

Um dos meus momentos favoritos foi ouvir Milton na primeira vez em que nos encontramos, em 1968, no Copacabana Palace. Foi uma grande experiência, a música dele me surpreendeu. Outro momento marcante foi a celebração de um aniversário dele, em sua casa. Ficou bastante surpreso e contente por reunir seus amigos próximos do Brasil e dos Estados Unidos ali.

 

 

Matéria publicada originalmente no link abaixo do jornal Estado de Minas

https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2022/03/12/interna_cultura,1352012/amp.html

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