Por Walter Falceta Jr.
Vou encarar o abuso de chamar o cardeal de amigo, mas creio que vale correr o risco. Paulo era, efetivamente, um companheiro fiel de jornadas, dos pobres, dos divulgadores da Boa Nova, dos justos e de todos aqueles que caminhavam em direção às cores da utopia igualitária.
Posso dizer que boa parte do que sou se deve a esse catarinense tão culto quanto humilde. Já em criança, me agreguei às atividades sociais da Igreja Católica, na Vila Santa Isabel, na Zona Leste de São Paulo. Progressismo com fé!
Logo compreendi o sentido da Opção Preferencial pelos Pobres, que não era uma mera Filosofia ou Teologia, mas uma práxis revolucionária baseada no respeito e no carinho pelo próximo.
Por este motivo, fui estudar na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), onde pude me aprofundar no estudo dessa relação amorosa com o povo, especialmente o povo sofrido e trabalhador.
Por meio da instituição, fomos montar uma rádio comunitária numa favela da Zona Sul, mediados pelos padres que lidavam com miséria no meio do fausto do Morumbi.
No PT, partido no qual me assentei há 40 anos, emulávamos os métodos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), efetivas, comunicantes e capilares na luta pelos Direitos Humanos e pela democracia.
Como jornalista, entrevistei Dom Paulo inúmeras vezes, mas ele preferia falar sobre o nosso Corinthians do que sobre as atrocidades de Ustra e Fleury ou sobre a patrulha doutrinária do Cardeal Ratzinger.
Dom Paulo tinha um assessor magnífico, meu amigo Monsenhor Arnaldo Beltrami. O cardeal cometeu uma “sacanagem” ao designar esse palmeirense para celebrar as missas na capela de São Jorge, na sede do alvinegro paulista.
Quando se foi à arquibancada de cima, em 2001, o bom Arnaldo já se dizia convertido ao clube dos operários. Milagre de Dom Paulo!
Como incrível professor, o arcebispo montou um time maravilhoso, sempre jogando no ataque. Se o Timão teve Claudio, Luizinho e Baltazar; tínhamos nas arquidiocese o talento de Paulo, Angélico e Luciano.
Nos anos 1980, quando trabalhava no Estadão, uns desatentos teólogos progressistas, por desconhecimento, vieram “tretar” comigo.
E Paulo e Luciano saíram em minha defesa. Dom Paulo chegou a escrever no Estadão, que lhe fora tão antipático, em defesa de minha causa. Luciano levantou a voz diante do tais doutores. Ambos valentes na coerência.
Tenho que confessar meus pecados. Como coordenador do Centro Acadêmico Benevides Paixão e responsável pela imprensa do DCE Livríssimo, atormentei a reitoria, Dom Paulo e a Fundação São Paulo.
Paramentado em fantasia, cheguei a rezar uma missa fake para protestar contra o aumento das mensalidades. Moleque, eu considerava tudo aquilo coerência política.
Em 2016, no TUCA, na celebração dos 95 anos de meu amigo, tive a oportunidade de me desculpar. Como presidente do Coletivo Democracia Corinthiana (CDC) pude nomear o gentil bispo como nosso membro honorário e presenteá-lo com nossa camisa, que ele ergueu orgulhoso para a plateia.
Não imaginava que, poucos meses depois, numa noite triste da Catedral da Sé, ao lado de minha esposa e filha Laura estaria diante do esquife do fiel companheiro.
Ficam, portanto, os ricos e solidários ensinamentos de Paulo, que carrego na vida e trato de repassá-los aos meus filhos, sobrinhos e jovens amigos.
Encerro evocando outro Paulo, que escreveu ao Corínthios. E essa lição, certamente, o catarinense corinthiano difundiu por toda sua longa vida:
“Agora vemos como em espelho e de maneira confusa; mas depois veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas depois conhecerei como sou conhecido. Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor.”
Walter Falceta Jr é jornalista e um dos coordenadores do Coletivo Democracia Corintiana (CDC)
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Parabéns pelo texto. Como jornalista que trabalhou com/na igreja nos anos áureos da Teologia da Libertação tive o prazer entrevistar algumas vezes dom Paulo, dom Luciano, e convivi com o divertido Pe.Arnaldo Beltrami. Anos mais tarde, conheci de perto a dra Zilda Arns. Nehuma dessas figuras está mais entre nós. Mas sua coerência e compromisso com os pobres seguem inspirando-nos!