Vírus da Covid-19 contamina sistema nervoso central, mostra estudo do Instituto Pasteur

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Por Taíssa Stivanin – RF1
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O vírus SARS-CoV-2, que provoca a Covid-19, continua sendo alvo de descobertas surpreendentes. A última delas envolve sua capacidade de contaminar o sistema nervoso central, mesmo em casos assintomáticos. Esta foi a conclusão de um estudo feito por uma equipe do Instituto Pasteur, no 15º distrito de Paris, publicado em julho na revista Nature Communications. O médico veterinário brasileiro Guilherme Dias de Melo integra o projeto desde 2020, quando teve início a pandemia de Covid-19. 

Em entrevista à RFI no laboratório do instituto francês, onde atua desde 2014 como pesquisador, Guilherme Dias de Melo contou que o aparecimento do SARS-CoV-2 deu início a uma “revolução” em centros de pesquisa em todo o mundo para compreender melhor a doença e as sequelas causadas pela infecção.

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O cientista brasileiro Guilherme Dias de Melo

“Quando a pandemia foi declarada, o Instituto Pasteur criou uma força-tarefa e todas as equipes interessadas foram mobilizadas para ajudar nas pesquisas para entender como o vírus atuava”, diz. “Nosso objetivo era verificar se o SARS-CoV-2 era capaz de infectar os neurônios e provocar algum problema no cérebro”, explicou o cientista brasileiro, que tem o know-how de pesquisas envolvendo o vírus da raiva, uma zoonose que atinge o cérebro.

Um dos principais sintomas da primeira cepa da Covid-19, detectada em 2019 em Wuhan, na China, era a anosmia (perda do olfato). Essa característica “inesperada” do vírus foi o ponto de partida do estudo, conta Guilherme.

“As pesquisas começaram com a cepa original em 2020 e a produção de modelos celulares e animais. Queríamos entender os sintomas e como o vírus se comportava no sistema nervoso central”, explica. “Com o passar do tempo, vimos que o SARS-CoV-2 foi evoluindo e surgiram as variantes alpha, beta, gamma e delta. Ao longo do tempo, nós as integramos aos estudos para ver se causavam os mesmos sintomas com a mesma severidade”, explicou.

O estudo publicado há cerca de cinco meses inclui a análise da variante P1 (gamma), que se espalhou no Brasil, da delta e da ômicron BA.1 – a primeira da linhagem que ainda hoje é dominante e já sofreu várias mutações que facilitam o contágio.

O objetivo, diz Guilherme, foi entender como o vírus chegava ao cérebro e verificar se as variantes faziam esse “trajeto” até o sistema nervoso central de maneira similar, independentemente dos sintomas ou da gravidade da doença.

A pesquisa incluiu testes in vivo, como são chamados os estudos com animais, realizados em função do aparecimento das variantes. Eles aconteceram dentro do próprio Instituto Pasteur, que possui laboratórios de segurança de nível 3 e isoladores adaptados, e levaram cerca de dois anos.

A equipe utilizou grupos de oito hamsters para analisar o comportamento do vírus no organismo após a infecção. “Para o SARS-CoV-2, o melhor modelo é o Hamster dourado. Assim como os humanos, eles sofrem da infecção, ficam doentes e se recuperam, e também podem desenvolver uma forma severa ou moderada. Esses animais também perderam o olfato na fase aguda da infecção após a contaminação pela cepa original, identificada em Wuhan.”

Os cientistas do Instituto Pasteur também buscaram entender por que só algumas pessoas perdiam o olfato e por que essa perda variava em dependendo da variante envolvida no contágio. Para isso, contaminou os hamsters com o vírus da Covid-19 em laboratório e fizeram uma análise diária, verificando se haviam perdido o olfato.

A conclusão é que, nos animais, apenas algumas variantes geravam a anosmia, em formas mais ou menos intensas. Mas, em todos os casos, independentemente da cepa em questão, o vírus chegava aos bulbos olfatórios, uma parte do sistema nervoso central. Essa constatação levou os pesquisadores a dissociarem a neuroinvasão, ou seja, a migração do vírus para o sistema nervoso, da anosmia.

“O sistema olfativo é bem complexo e tem duas partes. A mucosa olfativa fica no fundo da cavidade nasal, onde estão nossos neurônios olfativos. Os axônios, o corpo dos neurônios, vão conectar o cérebro a essa cavidade nasal. Temos então uma porta de entrada muito acessível para um vírus respiratório. Foi isso que estudamos: o caminho usado pelo vírus para chegar ao cérebro”, descreve Guilherme.

Para validar essas conclusões, os pesquisadores cultivaram neurônios humanos em laboratório e visualizaram a difusão das partículas virais ao longo dos axônios. Ou seja, observaram o trânsito do vírus dentro dos neurônios.

O objetivo era verificar sua capacidade de utilizar as células nervosas como uma “pista de acesso” ao cérebro. De acordo com Guilherme, o próximo passo agora é descobrir se o vírus consegue infectar outras regiões do cérebro e permanecer no órgão a longo prazo. Essa pode ser uma das explicações para o aparecimento da Covid longa.

Os cientistas também questionam se a presença das partículas virais no sistema nervoso central pode afetar as funções cerebrais ou gerar sintomas como ansiedade, depressão ou perda de memória, que aparecem em alguns casos após a infecção.

Essa hipótese é plausível porque o bulbo olfatório está próximo do tronco cerebral, onde estão localizados centros nervosos responsáveis por funções vitais e áreas relacionadas ao comportamento. “Este é o centro que processa todas as informações do cérebro e está muito perto do lugar onde o vírus se instala”, acrescenta o cientista brasileiro.

Ansiedade e depressão

A equipe de Guilherme desenvolve atualmente testes de ansiedade, depressão e memória que serão aplicados nos hamsters contaminados há bastante tempo pelas diferentes variantes da Covid-19.

A meta é tentar reproduzir em laboratório os sintomas da Covid longa e avaliá-los sem a influência do meio ambiente, para provar que esses sintomas são puramente orgânicos. “Se nos testes o animal apresentar um sintoma de depressão tendo como único fator causal a infecção ocorrida há muito tempo atrás, isso pode ser relacionado com a Covid longa”, resume.

A próxima etapa é definir se os sintomas cognitivos estão relacionados à presença do vírus no cérebro e compreender o mecanismo fisiológico que faz com que eles se manifestem. Guilherme Dias Melo lembra que o SARS-CoV-2 ainda é um vírus “muito recente e dinâmico”. Por isso, serão necessários anos para entender como ele age dentro do organismo.

“A mensagem principal é: o SARS-CoV-2 é capaz de infectar os neurônios e utilizá-los como uma rota de acesso ao sistema nervoso central. E a manifestação clínica na fase aguda não necessariamente vai influenciar uma manifestação clínica na fase longa”, conclui.

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