Por Thiago Zygband
O virtual se alimenta de nossos sonhos; nossos sonhos se alimentam do virtual.
Tive um sonho estranho nesta noite.
Estava em uma cidadela de ruas estreitas, como em um vilarejo italiano.
No entanto, as casas não tinham profundidade. Eram chapadas, em 2D. A ambiência assemelhava-se muito ao cenário de Counter-Strike, jogos de tiro dos anos 2000.
Havia pessoas indo para lá e para cá entre as ruelas, sem parar. Eu caminhava e encontrava um grupinho de pessoas, dentre as quais estava um colega de trabalho mexicano, que nunca vi ao vivo.
Aquele era um cenário de realidade virtual, e a multidão estava em uma visita guiada àquele metaverso. Meio a contragosto (pois detesto tours), e por insistência de meu colega, juntei-me ao grupo.
Começávamos a andar, e as ruas iam ficando cada vez mais estreitas e lotadas de gente. Chegávamos a um canto do cenário no qual havia lixo, coisas quebradas e muitos homens de aspecto zumbi.
Era a cracolândia do metaverso.
Acordo.
Com que sonham os trabalhadores remotos?
Recordo-me de que, quando trabalhava presencialmente, frequentemente tinha sonhos dentro do escritório.
Sonhos nos quais a chefia me cobrava por alguma coisa: entregas, resultados, conflitos.
Ou, mais raro, sonhos eróticos com os colegas.
Mas, trabalhando integralmente de casa há anos, são raros os sonhos diretos e explícitos sobre trabalho.
Já tive muitos sonhos nos quais recebia uma notificação, mensagem, de que algo aconteceu. Surgem os avatares da chefia em uma tela de celular ou computador. A tela nunca apareceu integralmente, full screen em minha mente, mas sempre dentro de um espaço físico. O celular aparece em minha mão, o computador na mesa, etc.
Sonho erótico no trabalho nunca mais tive…
Com menos experiências reais para constituir o sonho, muitos dos sonhos relativos ao trabalho tornaram-se menos diretos, mais simbólicos.
Mas se a tela raramente aparece, mais comum é surgirem espaços de mundos virtuais, como é o caso do sonho descrito no início deste texto. A experiência de espaços tridimensionais, típicos dos jogos, é profundamente imersiva, constituindo matéria farta para a vida onírica.
Darei outro exemplo.
Outro sonho
Na adolescência, fui viciadíssimo em Ragnarok, ou carinhosamente Rag, um jogo de RPG online.

Dispendi muitas horas de minha juventude no Ragnarok, entre subir de nível, coletar itens, matar inimigos poderosos, explorar terras longínquas e socializar com os amigos de meu clã.
Paralelamente, fora do Rag, comecei a faltar à escola, diminuir a frequência em outras atividades. O jogo ocupava a maior parte de meu tempo livre.
Nesse contexto, tive um sonho intenso.
Sonhei que meu avatar no jogo, após uma longa jornada dentro dos mapas do game, saía da tela, invadia o mundo real e tomava meu lugar na casa dos meus pais. Isso me angustiava, pois não sabia como voltar a ser o Thiago de carne e osso.
Reflexão precisa de meus sonhos sobre os excessos do mundo virtual!
A experiência onírica
O universo virtual infiltrou-se tanto em nossos cotidianos que às vezes nos esquecemos do quão radical e intenso ele é.
Pense nos inúmeros memes, colagens surrealistas, piadas de duplo sentido. Ou nas imagens de riqueza, fama, beleza dos influenciadores. Tudo isso fala diretamente para uma esfera subconsciente, simbólica, nossa.
No caso de jogos e metaversos, a experiência vai ainda mais longe. Tornar-se uma personagem, explorar cenários deslumbrantes, voar, lutar com monstros, interagir com outros jogadores. A imersão é profunda.
A nossa experiência com o virtual tem muito de onírica.
Em geral, é um momento de não-reflexão, de entrega às imagens e sons da internet. No ônibus, como forma de se esquecer o aborrecimento de estar ali. Deitado na cama ou no sofá, descendo o feed infinitamente. Nas longas noites de videogame. O virtual se insere frequentemente no limiar entre estar acordado e dormindo.
Isso explica por que, impulsionados por algoritmos projetados para capturar nossa atenção, tendemos a nos envolver tanto com o mundo virtual.
O virtual se alimenta de nossos sonhos; nossos sonhos se alimentam do virtual.
A corrida pelos óculos de realidade virtual, a ideia de realidade expandida que as big techs têm promovido são mais um passo nesse sentido.
Daí é tomar cuidado com as cracolândias do metaverso…
Thiago Zygband é comunicólogo
Texto publicado originalmente no link abaixo do Canto da Internet
https://cantodainternet.substack.com/p/sonhos-de-home-office