Por Ademir Assunção
Gozado isso: sou poeta e jornalista, tenho quase 20 livros publicados, ganhei alguns prêmios (se isso é parâmetro para alguma coisa), escrevi romances também (ah, os romances, os romances!), fiz shows, exposições, o diabo a quatro – e se eu der calote em alguém, minha vida vira um inferno, terei que me esconder em algum vilarejo longínquo e provavelmente encontrar uma cova bem disfarçada para ninguém mijar em cima.
Agora, uma megarede de megalojas que, por acaso, vendiam livros, mas poderiam vender qualquer outra coisa que fizesse dinheiro grosso, como acessórios para caminhões ou componentes de celulares, dá calote em uma porção de gente, abre falência e os donos podem viver tranquilamente em Paris ou Nova Iorque – e todo mundo lamenta.
Lembro que quando A Voz do Ventríloquo ganhou o Jabuti, meu editor me ligou e disse: “A tal megaloja fez um pedido do seu livro. Sabe quantos exemplares? Um”.
Querem me chamar de “ressentido”? Sugiro uma busca em um bom dicionário online, de consulta gratuita: há muitos outros sinônimos. Também há muitos sinônimos para o adjetivo “tonto”.
Realmente: a estupidez venceu (vence sempre) e o sinal está fechado (fechadíssimo) para nós, que já nem somos tão jovens assim.
E continuamos exercendo, com teimosia hercúlea, a arte de atravessar os sinais fechados.
Ademir Assunção é poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo