Lula, Silvio Santos e o recalque

Por Professor Brasilino Assaid

Sábado passado, a convite do amigo, o médico Manoel Paixão, fui ao Bar The Beatles, do João, bater um papo com uma turma da saúde.

Lá havia outras pessoas que, como eu, não eram da área. Mas todos bem politizados e comprometidos socialmente.

Com alguns que estavam perto de mim, e conheci ali mesmo, comentei que iria escrever sobre o recalque da classe média brasileira, tão visível em relação a Lula, mas não a Silvio Santos.

Porém, bar, sabe como é, uma conversa emenda na outra, sem que nenhuma chegue à conclusão da narrativa engendrada.

Pois bem, há mais de um ano queria escrever sobre o tema. Trabalho, cansaço, ansiedade, ainda decorrente da Covid-19, sempre adiavam meu plano.

Na terça-feira, porém, vi e ouvi o humorista Carlos Alberto de Nóbrega descarregando todo o preconceito e ignorância que caracterizam a quase totalidade dos bolsonaristas, em relação ao Lula. O vídeo viralizou e se transformou no impulso definitivo para meu texto.

Pois bem, quem estudou minimamente História, sabe que um dos cenários que favoreceram a ascensão dos Fascismos, na Europa, foi o medo que grande parte da classe média tinha de perder seu sonho de se tornar elite, ameaçado pela vitória da Revolução Bolchevique, ocorrida em 1917 e pelo crescimento dos movimentos operários.

Por aqui, hoje, a classe média, que enfeita sua cozinha com um Air Fryer, comprado em dez vezes, no cartão, vibra e inveja o sucesso de Sílvio Santos, pensa que é rica, e é absolutamente recalcada com Lula.

Ignorantes e burros por opção, se imaginam como o exemplo da meritocracia. Já vi gente dona de empresa pequena, mas que lhe dá uma vida confortável, se gabando de ter vindo do nada, sendo que estudou no ensino particular, da alfabetização à faculdade.

Parodiando Suassuna, se essas pessoas que viveram no ar condicionado, com comida à mesa todos os dias e em escolas particulares definem sua situação com o substantivo nada, que substantivo eu vou usar para expressar o quadro material de quem passa fome, num barraco sem saneamento e energia elétrica?

Aí está o ponto crucial. Essa gente não está nem aí para a miséria. Tem horror, medo! Não se comove em ver crianças famintas perambulando pelas ruas.

Mas são capazes de ir às lágrimas com a narrativa da vida de Sílvio Santos. Um simples camelô que se tornou um dos maiores empresários do Brasil.

Mas, pera aí, a trajetória do Lula é ainda mais exemplar. Um operário, um metalúrgico, que se tornou, não apenas Presidente do Brasil, mas o Presidente do Brasil mais respeitado e popular no mundo todo.

Ah, mas eu não gosto do Lula porque ele é ladrão. Mentira! Conheço bem essa gente. Nunca gostaram do Lula. Sempre carregaram o mesmo preconceito exposto vergonhosamente por Carlos Alberto da Nóbrega.

O acusavam de analfabeto, mal educado, sem instrução, desde a década de 1980. Ora, nem Silvio Santos nem Lula têm diplomas universitários.

Ocorre que, quando o operário ousou ser candidato, então, o preconceito se multiplicou. E, recentemente, as elites econômicas, apoiadas pelos EUA, num Congresso vergonhoso, valeu-se de uma Justiça promíscua, de um juiz e um promotor criminosos, para derrubar Dilma e jogar Lula na cadeia, num processo de centenas de páginas e nenhuma prova.

Mas esse ódio da classe média ao Lula não tem a ver com corrupção. Nem com comunismo. Nem com grau de instrução. Se for por falta de diploma, Lula recebeu títulos de Doutor Honoris Causa de várias Universidades, no Brasil e no exterior.

Não tem a ver, também, com Ditadura. O Silvio Santos, que também não tem diploma superior, apoiou a Ditadura, ora.

O problema com Lula é outro. É que ele se importa com os pobres e miseráveis. E eles não aceitam que um cara que veio “de baixo” e virou uma estrela mundial, continue ligado às suas raízes sociais, mesmo sem pertencer mais a elas.

É a luta de Lula por justiça social que incomoda essa gente escrota, ignorante e subserviente aos seus exploradores.

É o medo de proletarização que as acompanha, como um pesadelo interminável, alimentado, desde o século passado, cinicamente, por extremistas de direita e ultraliberais. Criam fantasmas e os estúpidos acreditam.

Se Lula chegasse à Presidência da República e não se incomodasse com os mais pobres, com a Justiça, com doentes, com indígenas, com o público LGBTQIAP+, com mulheres, com afrodescententes, nem com a Educação e a Ciência.

Se o Lula fosse desumano, burro e mau caráter, talvez ele fosse o ídolo dessa gente cretina.

Quem quer dinheiroooo???!!!”

 

Brasilino Assaid é professor de História em Belém (PA)

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