Eu te amo, eu te respeito, eu te imito

Por Virgilio Almansur

Estas foram as palavras dirigidas ao grande ator Sidney Poitier, por ninguém menos que Denzel Washington. Este, em 2002, entregara um Oscar pela trajetória cinematográfica daquele que contribuira para o surgimento de atores negros em papéis de destaque como o próprio Denzel, Morgan Freeman, Will Smith, James Earl Jones, quase contemporâneo, Louis Gossett Jr., Whoopi Goldberg, Cuba Gooding Jr., Forest Whitaker, Halle Berry, Jamie Foxx, Idris Elba, Viola Davis, Omar Sy e muitos outros.

Filho de um casal das Bahamas, Poitier nasceu em Miami numa das viagens de seus pais agricultores que lá íam para vender legumes.

Era o ano de 1927, fevereiro. Pequenino, o prematuro Sidney se desenvolveu na ilha bahamense numa fazenda de tomates. Teve que enfrentar preconceitos pelas dificuldades econômicas e em razão da cor; aos 15 anos foi tentar a vida de ator. Estreou na Broadway e chamou a atenção pelo porte altivo e desinibido na peça Lysistrata, de Aristófanes (comédia grega sobre greve de sexo).

Poitier já se movimentava pelos bastidores em plena disputa pelos direitos civis dos negros. Continuamente se expunha e se impunha — e não demorou muito para tornar-se ícone desse movimento. Bastante crítico e consciente de suas possibilidades artísticas, frequentemente negava-se a aceitar papéis “degradantes” impostos aos negros como engraxates, empregados informais, domésticos, maquinistas.

Com seu amadurecimento, passou a encabeçar histórias em que seus papéis fugiam dos estereótipos “disponíveis” ao negros; já em 49, por “Acorrentados”, fora indicado ao Oscar de melhor ator principal. Tal indicação o colocou como favorito para em 1950 fazer o papel de um médico que trata de uma paciente racista em “O Ódio é Cego”, que abre aquela década com um ator elevado à fama e atraindo investidores. Não sem se poupar, orientava seus pares a não se submeter aos caprichos hollywoodianos e foi, aos poucos, tornando-se o cineasta que atraía brilho às performances negras rompendo paradigmas…

Desde então, sabedor do que era o analfabetismo (lutou intensamente contra), bem como a pobreza, tais percepções o elevaram na caminhada às telas, liderando movimentos para que Hollywood deixasse seu olhar preconceituoso e dispusesse aos atores negros papéis de destaque, assim como ele, Poitier, que passou a ser agraciado em toda a década de 60, sendo 1967 um ano enriquecedor com três filmes acerca do apartheid, raça, cor…

Constantemente recusava papéis. Mas um certo carisma era percebido pelo público e além de revogar paradigmas, mais um surgia para ser desmontado: tornara-se um campeão de bilheterias com papéis de destaque e de imenso protagonismo para o público. O negro dava “ibope” e atraía investimentos…

O grande percurso de Sidney Poitier foi o de romper estereótipos. Foi um mestre com muito carinho, um namorado que está sendo esperado para jantar sem que a família branca adivinhe quem chegará, foi um fugitivo algemado a outro branco que precisa saber levar aquela “mistura” para não ser capturado, enfim… Foi também o talentoso desempregado que cai do céu às freiras alemãs no deserto americano e constrói uma igreja em “Uma Voz Nas Sombras”, quando consegue seu Oscar.

A partir daí, Poitier trilharia um caminho de extremo reconhecimento. Sua voz grave, porém aveludada, era requerida. Sempre visto como “bonitão”, charmoso e sedutor, tinha lugar cativo às indicações de papéis quase principescos. Minha primeira impressão veio, quando criança, assisti a’Os Legendários Vickings”. Richard Widmarck era o ator principal, coadjuvado por um príncipe mouro, o próprio Poitier…

Terreno aplainado àqueles que hoje vemos em destaque, pavimento árduo, difícil, muitas vezes sob isolamento, esses tantos atores que elenquei, encontraram em Sidney Poitier a leveza para suas performances atuais.

Importante ressaltar, que na década de 60 Poitier brilhou como um guerreiro e digno ator, ao concentrar as quebras de estereótipos e estar nos píncaros de todas as bilheterias que teve participação, especialmente em 1967, vale repetir e ressaltar, quando concentrou bilheterias milionárias que apontavam ao apartheid, aos preconceitos e ao racismo em três películas. Foi um ano ímpar!

Dos três filmes de 67: “Ao mestre…”, “Adivinhe quem vem para jantar” e “No Calor da Noite”, fico com este. Aqui, seu parceiro era o policial do distrito, vivido por Rod Steiger, um monstro na performance racista que tenderá dobrar-se ao detetive Virgil Tibbs, vivido por S. Poitier. Tibbs é preso em uma estação de trem do Mississipi, sob a acusação de cometer homicídio. Pouco depois, o xerife Gillespie (Steiger) da cidade descobre que ele é um detetive da polícia da Filadélfia, e ele é escolhido para colaborar na investigação. A trama é envolvente e vejo aí um dos melhores papéis de Sidney.

Foi-se nesta sexta-feira o talentoso Sidney Poitier. Aos 94 anos, quase 95, quando faria em 20/02. Quebrou barreiras: cor e raça nas telas. Captou seu momento numa efervescência das marchas afro-americanas e ali, em 64, ganhou seu Globo de Ouro e logo em seguida um Oscar. Façanha ímpar para um homem que não mediu esforços para mesclar seu ativismo com as performances de um já lendário ator. Até tentou a vida política. Não foi bem! E nem como diretor. No entanto, o legado de Sidney Poitier tem o pendor de uma eternidade que poucos souberam ou saberão captar.

Lamentavelmente, há um distanciamento da crítica atual que não vivenciou os momentos cáusticos pós 45, com alguma “permissividade” aos negros. Poitier consegue uma espécie de brecha até chegar a Nova Iorque. Sua sensatez, mesclada a uma liderança convincente, romperam as barreiras que se impunham num verdadeiro apartheid e fizeram de seu próprio brilho um farol luminoso àqueles que o enxergaram como tenaz ativista, guerreiro inconteste, um ícone posto às necessidades primevas de seus concidadãos.

Numa época de extrema segregação, Sidney Poitier se destacou: aprendeu a aprender sobre a vida, seu gerenciamento e sempre se somando com muita ênfase na carreira. No que foi assumindo o poder de tomar as decisões, carregou um séquito! Fez dessas vidas um belo laboratório das próprias vidas, onde muitos aprenderam, também, a usar um olhar estratégico sobre cada passo dado em direção aos objetivos.

Mestre com extremo carinho, venceu o ódio e a cegueira, saiu das chamas traiçoeiras — e como uma voz nas sombras trouxe luz aos caminhos daqueles que o imitaram, amaram e o respeitaram.
O cinema o eternizará…

 

 

Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.

Contribuição para o Construir Resistência ->

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  1. Maravilhosas e certeiras palavras sobre esse ator que deixou sua marca nas telas do cinema. Um ator inesquecível para quem o conheceu através de seus personagens marcantes. Uma estrela não se apaga, só muda de forma.

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