Por Francisco José Nunes
Virou lugar comum dizer que nada temos para comemorar no #DiadosProfessores. Aos professores cabe a luta constante pela valorização da profissão e por melhores condições de trabalho. Entretanto, a arte e a cultura são os nossos combustíveis nessa caminhada. Vamos sugerir aqui o filme “La vie scolaire” (A vida escolar), infelizmente, no Brasil o filme foi lançado com o nome “Efeito Pigmalião”.
O filme está situado na cidade de Saint-Denis, localizada a noroeste de #Paris. É uma cidade periférica, com favelas; cidade dormitório, com muitos operários e imigrantes de todas as regiões do mundo, principalmente do continente africano e dos países árabes. O palco principal do filme é uma escola pública, com todos os problemas típicos de uma escola periférica. A orientadora educacional Samia (Zita Hanrot) muda para Saint-Denis e começa a trabalhar nessa escola.
Imediatamente começam a aparecer os problemas enfrentados pelos alunos, mas muitos desses problemas também são comuns entre os professores e trabalhadores da educação. Tais como: falta de motivação, estresse, familiar detido em presídio, consumo e tráfico de drogas. Os questionamentos começam a aparecer: garotos da periferia conseguirão empregos estáveis; por que precisamos estudar a História da França; por que precisamos aprender equações matemáticas?
Esse filme foge do estilo “professor-herói”, do blablablá da meritocracia; além de ser um filme francês sem a #TorreEiffel, sem o #MuseudoLouvre e sem o #ArcodoTriunfo. Os alunos sofrem punições de caráter vingativo e humilhantes, aplicadas pelos inspetores da escola; os alunos negros e árabes fazem piadas entre si, sobre as suas origens familiares; Samia (a orientadora pedagógica) ao realizar reuniões com os pais dos alunos, entra em contato com uma quantidade enorme de problemas sociais, econômicos, religiosos e culturais, além de esbarrar nos limites e precariedades do sistema educacional oferecido para as periferias.
A política de “Guerra às Drogas” é um dos maiores problemas, porque corrompe os adolescentes traficantes e os adultos consumidores. Deixar o controle das drogas nas mãos do crime organizado e não sob o controle do sistema de saúde é um grande desastre para a periferia na França e em todo o mundo.
O filme é muito rico no uso das câmeras, seja na forma como acompanha os alunos nos corredores da escola, quando acompanha Samia na visita ao presídio, nas cenas estilo “vinheta” e na cena do acidente com uma motocicleta. Não por acaso, os diretores têm formação na área de audiovisual.
A direção é de Mehdi Idir e de Grand Corps Malade (nome artístico de Fabien Marsaud). Ambos nasceram em Saint-Denis. Ambos tem muitos elementos em comum: Mehdi Idir fez Faculdade de Audiovisual, é dançarino de Hip-Hop, é amigo do grupo “The Wanted Posse” (Campeão Mundial de Dança Hip-Hop) e escreveu o roteiro desse filme inspirado na sua vida estudantil; Grand Corps Malade é um poeta de slam, cantor e cineasta. Esse filme é classificado como uma “dramédia”.
O título do filme em português – “Efeito Pigmalião” – é provocador de polêmica. Como já sabemos, a polêmica não contribui para a reflexão e nem para o avanço do conhecimento. Entretanto, vamos apontar aqui os problemas, porque eles estão incrustados no sistema educacional.
A origem do termo “efeito Pigmaleão” vem da mitologia grega. Os mitos normalmente têm várias versões.
Originalmente conta-se que Pigmalião, o rei de Chipre, não gostava das mulheres, porque segundo ele todas as mulheres são imperfeitas. Ocorre que Pigmalião era um grande escultor.
Certa vez ele esculpiu a estátua de uma mulher, que ficou tão perfeita, que ele passou a oferecer presentes para ela e até se apaixonou por ela! Ele deu o nome de “Galateia” para a estátua (esse nome significa “donzela branca”; em grego “galaktos” significa leite). Por isso, “galanteador” significa “aquele que corteja a mulher”. Certa vez, ao participar de um festival dos deuses e deusas, Pigmalião pediu para a deusa Afrodite que transformasse Galateia numa mulher de verdade e ele foi atendido. Eles tiveram um filho e uma filha.
Atualmente a expressão “Efeito Pigmalião” é usada em várias áreas, motivada pela Psicologia. No sentido de que, quanto maior a expectativa e a atenção dada a uma pessoa, maior será o rendimento dela. Essa teoria é aplicada para a formação de equipes nas empresas e no trabalho pedagógico nas escolas. Inclusive, já foram feitas várias experiências em escolas com base nessa teoria.
Infelizmente, essa teoria tem origem na misoginia e a sua aplicação privilegia o tratamento exclusivo para apenas uma parte do grupo. Mesmo que se diga, que a dedicação pode ser para todas as pessoas, o seu princípio parte da exclusividade.
Felizmente o filme não trata do “efeito Pigmalião”. Provocando uma curiosidade enorme sobre o motivo da escolha desse nome para o filme aqui no Brasil. Na Espanha o título ficou muito mais simples e direto: “Os professores de Saint-Denis”.
Viva os professores e as professoras que estão na luta cotidiana pela valorização da profissão, por uma educação de qualidade, laica e libertadora!
Serviço
Filme: “Efeito Pigmalião”
Título original: “La vie scolaire”
Direção: Mehdi Idir e Grand Corps Malade
Ano: 2019 – 112 minutos
País de origem: França
Plataforma: #Netflix
Fotos do autor, Paris, novembro de 2017.
Francisco José Nunes é Mestre em Ciências Sociais – PUC-SP; Graduado em Filosofia; Professor na Faculdade Paulista de Comunicação – FPAC.