Construir Resistência
Selena Zagrillo, Maria da Penha Banhos e Cybelle Bezerra são três dos quatro mortos em ataques a escolas em Aracruz (ES) — Foto: Reprodução/TV Gazeta

Da morte subjetiva à morte física na escola

Por Walter Takemoto

Selena Zagrillo, Maria da Penha Banhos e Cybelle Bezerra são três dos quatro mortos em ataques a escolas em Aracruz (ES) — Foto: Reprodução/TV Gazeta

Três professoras foram assassinadas em uma escola no Espirito Santo, na cidade de Aracruz, município em que trabalhei contribuindo para a implementação de uma política de formação continuada para as equipes escolares.

Foram assassinadas na sala dos professores com tiros disparados por um adolescente, ex-aluno da escola, filho de um oficial da policia militar, que em outra escola também matou uma aluna, adolescente.

Para assassinar as três professoras e a adolescente, o assassino utilizou armas e carro do pai.

O pai, policial militar, tempos atrás publicou em sua rede social a foto do livro do Hitler.

Existe relação entre esses dois fatos, o pai policial militar e ter publicado imagem do livro do Hitler, e os crimes cometidos pelo filho?

O livro Minha Luta, título em português, expressa as concepções racistas, antissemitas, anticomunistas e de extrema-direita do Hitler, sendo considerado uma bíblia para os nazistas.

Não é um exagero pensar que esse pai, militar e seguidor das concepções nazistas, tenha presenteado o filho com esse livro, como era comum acontecer na Alemanha nazista, e estudado com ele, assim como muitos de nós fazemos com nossos filhos e netos com livros de literatura infantil, matérias de revistas e jornais, etc.

Ou mesmo que tenha sido o pai que ensinou o filho, adolescente, a manejar e utilizar uma arma, assim como brincamos com bonecas, bolas, instrumentos musicais, tintas e massas, com nossos filhos e netos.

E esse pai provavelmente vestia farda e roupas camufladas em seu filho, como se fosse um guerreiro, caçador ou predador, assim como vestimos nossos filhos e netos com roupas de personagens de quadrinhos ou histórias, times de futebol ou uma fantasia para uma festa da escola ou carnaval.

Quem esse pai, policial militar, leitor e adepto do nazismo, pretendia formar?

E ao matar as professoras no interior da escola e da sala dos professores, esse adolescente executou mais do que três professoras. Seus tiros que mataram, fazem ressoar em meus ouvidos muito mais do que os estampidos de suas armas.

Explodem em mim o que Wanferley Codo chamou de “perda do fogo” ou perda da paixão dos professores pela profissão docente.

Como manter a paixão por estar em uma escola, quando ao longo dos anos o que se sente é o abandono, o descaso dos governantes com escolas, professores e alunos? Quando o que se vê é que mais vale um índice do que a vida e o futuro dos que ensinam e das crianças que precisam aprender?

Para além do abandono e descaso que vivem e sentem, professores vivem a morte subjetiva, ou a perda da paixão, ao conviverem, cotidianamente, também com dolorosa morte subjetiva de seus alunos, crianças e adolescentes, que diante da exclusão, da violência social, do abandono, do desencanto com o futuro, que ano após ano, não aprendem adequadamente, repetem e abandonam as salas de aula.

E se três professoras foram assassinadas na sala de professores, morrendo fisicamente, quantos alunos, nesse final de semana, também morrerão fisicamente, no extermínio que se pratica cotidianamente em nosso país contra adolescentes e jovens negros, exatamente os que estão em nossas escolas públicas?

É preciso que se dê um basta nessa roda histórica de exclusão, opressão e morte que nos é imposta, a todos. Ou a paramos nós, ou ninguém o fará por nós. E continuaremos a morrer, ou a perder a paixão, o que não é diferente.

 

Nota da redação – chama a atenção que o jovem assassino de Aracruz tenha mirado preferencialmente em mulheres, matando quatro delas.

 

Walter Takemoto é educador, militante do movimento social e colunista de blog

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