Construir Resistência
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Cuca faz depoimento inesperado, forte, histórico e comovente

Por Milly Lacombe – colunista do UOL

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Cuca e Milly Lacombe

A luta feminista é cheia de altos e baixos. Tem dias em que tudo parece ruir, a vontade de seguir na batalha enfraquece, parece que não teremos força para continuar.

Em outros, tudo se renova e o horizonte fica largo. A noite de 10 de março foi uma noite de renovação de esperança. E a esperança chegou através de um personagem improvável: Cuca.

Cuca, o novo treinador do Athletico Paranaense, estreou no comando do clube com uma goleada de 6×0 sobre o Londrina. Na sequência, foi para a coletiva. O que esperar? Eu estava assistindo.

Cuca então falou sobre a goleada e parecia que seria isso até ele avisar que, depois de falar do jogo, leria um depoimento. Visivelmente nervoso, terminada a coletiva, ele começou a ler um texto. O assunto soterrado até ali era o do caso de estupro na Suíça cuja sentença foi recentemente anulada.

Tremendo, Cuca disse que leria porque não estava ainda preparado para falar livremente sobre um tema tão sério. Sugeriu que seria mais seguro ler para evitar derrapadas. Fez bem. O tema é bastante grave e exige essa seriedade mesmo.

Cuca começou reconhecendo que estava nervoso. Depois leu o depoimento de forma emocionada e pausada.

Pela primeira vez, saiu da posição de protagonista. “Entendi que isso não é sobre mim”, ele disse. E seguiu:

“Escolhi me recolher durante muito tempo e mesmo assim pude seguir minha vida. Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir com a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura pra sempre.”

“Eu enxergava sim os problemas, inclusive recorrentes aqui no nosso universo do futebol e dos homens. Mas me calei porque a sociedade permite que um homem se cale. Aliás, permitia!! Agora eu entendo, mesmo sem ainda conseguir me aprofundar para falar do jeito que seria certo, eu entendo que não posso mais me recolher, ficar calado, porque silêncio soa como covardia. Venho buscando ouvir mais, aprender, compreender. Não posso mudar o passado. Quantos de nós, homens, que agora me escutam, são capazes de olhar para o passado e rever atitudes?”

Achei essa parte bastante importante e corajosa. Quantos podem olhar para trás e ter a coragem de rever erros cometidos contra mulheres? Cuca deu um passo à frente e chamou seus colegas a repensarem ações.

“O mundo é um lugar muito diferente para homens e mulheres e quando a gente enxerga isso a gente pode até resistir, mas alguma coisa começa a mudar. E esse é o primeiro passo. Depois o sentimento é de real desejo de mudança. Só que as mudanças honestas e verdadeiras levam tempo, exigem dedicação, estudo, são dolorosas e desafiadoras”.

Cuca terminou dizendo que agora vai se manifestar através de ações e que podemos cobrar. Cobraremos, sem dúvida. Mas antes disso seria importante reconhecermos que precisamos de aliados e que Cuca chegaria para somar. Não vamos mudar o mundo sozinhas e notar as pessoas se transformando é evento tão bonito quanto potente.

Usar o passado para reconhecer o perigo, reconhecer erros para evitar que outros os cometam e, assim, transformar a sociedade para que nossas filhas e netas vivam num mundo seguro onde possam ser livres. Vem, Cuca. Vem batalhar com a gente.

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