Construir Resistência

12 de março de 2024

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As “fábricas de cliques” e o milagre da multiplicação da desinformação online

Do Público – Portugal Jack Latham fotografou o interior do mundo clandestino das “fábricas de cliques”. A indústria dos likes e partilhas nas redes é apenas um “sintoma”, e não a causa, da “doença” da desinformação Quando o mundo soube, em 2018, que os dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook tinham sido utilizados, ilegalmente, pela empresa Cambridge Analytica com o intuito de influenciar o voto dos eleitores norte-americanos em benefício de Donald Trump, o fotógrafo Jack Latham encontrava-se em trabalho na Califórnia, nos EUA. “Foi nessa altura que comecei a interessar-me pela ideia de ser possível manipular as pessoas através dos conteúdos que lhes são mostrados nas redes sociais”, explica ao P3, numa entrevista por videochamada a partir de Londres. No universo digital dos likes, partilhas e comentários, os utilizadores com maior probabilidade de verem amplificada a sua mensagem são aqueles cujas publicações geram mais reacções. A pergunta filosófica “se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir, ela fez barulho?” pode ser reformulada e aplicada ao contexto do universo digital. “Se fizeres um post numa rede social e ninguém vir, reagir, comentar ou partilhar?” A resposta é simples: serás ignorado pelo algoritmo, que fará desaparecer, daí em diante, as tuas mensagens dos feeds de outros utilizadores. Para grandes males, grandes “remédios”. Fruto da “ditadura” do algoritmo, as “fábricas de cliques” nasceram para inflacionar artificialmente a métrica dos conteúdos nas redes sociais, influenciando directamente o seu alcance e impacto. Esta indústria clandestina, que funciona de forma acrítica, beneficia qualquer cidadão ou organização que estiver disposta a pagar pelo serviço. Jack Latham quis ver, com os próprios olhos, o funcionamento das “fábricas de cliques” que, diz, “nunca tinham sido fotografadas ou filmadas profissionalmente até então”. O fotolivro A Beggar’s Honey, co-editado recentemente pela Editions Vevey e Here Press e comercializado pela Setanta Books, reúne as fotografias que o britânico fez nas várias “fábricas de cliques” que visitou. “Fiz várias viagens entre Janeiro e o Verão de 2023 até ao Vietname e Hong Kong”, conta. “Inicialmente, foi um pouco assustador, porque, obviamente, elas operam numa área cinzenta da lei.” O britânico esteve no interior de cinco empresas. “Depois das duas primeiras visitas, comecei a sentir-me mais confortável”, observa. “As comunidades são muito pequenas e as start-ups eram, afinal, interessantes e jovens.” No interior dos escritórios, Latham encontrou dezenas, por vezes centenas, de smartphones ligados a baterias e a computadores, alinhados em estruturas por entre um emaranhado de cabos. Cada um daqueles dispositivos, associado a várias contas, muda de endereço de IP cerca de 20 vezes ao dia, permitindo fazer-se passar por inúmeros utilizadores. Duas das cinco empresas, para além do trabalho online, também eram fabricantes dos dispositivos que permitem realizar as operações. “Essas ficaram contentes por me ver porque eu quis comprar a minha própria ‘fábrica de cliques’”, revela. Latham levanta-se da cadeira, durante a entrevista, e traz para a videochamada um aparelho rectangular, de aspecto irreconhecível. “Esta é a minha ‘fábrica de cliques’”, apresenta. Graças a essa aquisição, o britânico teve direito a uma explicação exaustiva sobre o funcionamento do hardware e software do dispositivo por parte das empresas. Útil? Já lá vamos. Em contacto com os trabalhadores dessas empresas clandestinas, Jack Latham apercebeu-se de que “não têm necessariamente uma percepção do seu papel no panorama geopolítico”. “A maior parte dos seus clientes, de quem compra likes e seguidores para fortalecer as suas contas nas redes sociais, não são obrigatoriamente políticos, mas sim jovens influencers ou artistas emergentes, pessoas que querem parecer populares.” Uma das “fábricas” que visitou dedicava-se exclusivamente à alimentação dos seus próprios vídeos no YouTube, obtendo os rendimentos em publicidade. “Não se tratava, nesse caso, de espalhar desinformação”, evidencia o britânico. Outra das “fábricas” trabalhava exclusivamente no Facebook, criando denúncias em massa, comentários em massa, pedidos de amizade em massa, esse tipo de coisas.” Como surgimento e disponibilidade ao grande público da inteligência artificial generativa, de serviços como o do ChatGPT, as “fábricas de cliques” passaram a apoiar-se nessa tecnologia para produzir as respostas automáticas. “Existe um casamento perfeito da inteligência artificial com este tipo de actividade”, observa Latham. “Antigamente era possível detectar, nas contas falsas que operavam, um inglês mal escrito que as denunciava. Agora, com o ChatGPT, podem gerar um número infinito de comentários que não apresentam quaisquer erros.” Esse aperfeiçoamento permite que o seu trabalho se torne praticamente indetectável. O verdadeiro perigo para as sociedades, na opinião de Jack Latham, reside na disseminação de desinformação. “No que toca a legislação, é complicado. Existe uma distinção entre misinformation e disinformation.” Em português ambas as palavras são traduzidas por desinformação. “Misinformation é quando se partilha informação falsa sem se saber que é falsa; disinformation inclui intencionalidade, ou seja, quem a partilha quer propagar uma mentira. É difícil de provar se há ou não intenção de dolo e é, em muitos casos, difícil perceber onde essa informação teve origem. Assim, o fenómeno torna-se difícil de controlar e de punir.” A disseminação de informação falsa é uma “arma” utilizada sobretudo por organizações com o intuito de moldar ou alterar a percepção pública de determinados eventos ou a imagem pública de certos indivíduos. Já várias campanhas de desinformação foram levadas a cabo por governos nesse sentido. É sabido que, em 2023, a Rússia levou a cabo uma destas campanhas para influenciar a percepção pública sobre a guerra na Ucrânia ou que, durante a pandemia, a desinformação foi utilizada para promover tratamentos sem eficácia. Em Portugal, que se aproxima de novas eleições legislativas, a desinformação também tem estado presente, mas sem grande expressão ou viralidade. “As ‘fábricas de cliques’ não são a causa do problema”, sublinha Latham. “O problema começa quando as pessoas se apoiam nas redes sociais para consumir informação. As ‘fábricas de cliques’ nascem dessa premissa. As pessoas querem consumir informação de forma rápida e em formato de entretenimento.” Quem muitas vezes dissemina a desinformação tem como objectivo aumentar o número de interacções e engagement com os seus seguidores. “Toda a gente quer

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Marcus

O salve-se quem puder e a crise de identidade dos cidadãos

Por Simão Zygband “Vais ter de votar sim em mandar-te de volta para a tua terra?”, perguntou um eleitor português se referindo à postura do partido Chega, pelo qual foi eleito Marcus Santos em Portugal, em relação aos imigrantes.   É evidente que as eleições em Portugal, com a vitória da direita com crescimento vertiginoso da extrema-direita (quadruplicou o número de deputados), mostram que os conservadores, especialmente extremistas como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Javier Milei, encontram eco na sociedade e angariam apoiadores com discursos autoritários, misóginos, xenófobos, preconceituosos, discriminatórios, racistas, que vai se espalhando ao redor do mundo. É, como dizia o velho e bom Karl Marx, a crise profunda do capitalismo e a ampliação do modelo do salve-se quem puder para quem vive nele. Todo tipo de máfia e malandragem atua no cotidiano do cidadão comum, que se vê apavorado com o crescimento da violência e da criminalidade, enquanto os grandes especuladores enriquecem, acumulam riquezas e controlam grande parte do mercado, de diversas modalidades de negócios. Os ideais socialistas, de solidariedade e de justiça social acabam ficando cada vez mais distantes. Nos modelos que se apresentam, é cada vez mais remoto o espírito solidário, e o discurso individualista e egoísta acaba contaminando uma parcela importante da população, catequizada sobretudo pelas redes sociais. As esquerdas não conseguem se acertar para fazer a disputa de narrativa pela internet. A direita deita de braçadas para os conceitos rígidos, de religião e costumes, que se consegue incutir na cabeça de uma parcela considerável do eleitorado, que vai se distanciando dos conceitos da justiça social com distribuição de renda defendida por lideranças como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, talvez a maior liderança popular da atualidade e referência mundial no âmbito da centro-esquerda. O salve-se quem puder em plena decadência do capitalismo gera crises de identidade nos cidadãos de uma forma geral, a ponto dele negar a si próprio, como é o caso do brasileiro preto Marcus Santos, eleito deputado pelo Chega, partido de extrema direita de Portugal, uma agremiação racista e xenófoba, que diz “defender a família, a pátria e a propriedade”. Marcus vive há mais de dez anos em Portugal, onde constituiu família. Ele é casado e tem um filho, ambos portugueses. “Lá em casa eu também defendo primeiro os portugueses! Aliás, por estes dois portugueses eu dou a minha vida. Deus pátria e família”, escreveu Marcus em sua publicação. Em sua postagem em comemoração ao resultado, Marcus declarou: “Agora não tem jeito… A extrema esquerda racista, fascista e a comunicação social mentirosa vão ter que levar com o negão do Chega. Viva Portugal”. Em resposta, alguns eleitores portugueses demonstraram repúdio pela eleição dele e debocharam do fato de Santos ser brasileiro. “Vais ter de votar sim em mandar-te de volta para a tua terra?”, perguntou um usuário, se referindo à postura do partido Chega em relação aos imigrantes. Nem Freud explica.   Jornalismo de forma séria   Se você não está indignado, você está mau informado.   Leia, apoie, critique, contribua com o Construir Resistência. Não seja apenas uma massa de manobra 😂 Pix para Simão Zygband  11 911902628  (copie e cole este pix acima. Qualquer quantia é bem vinda) Simão Zygband é jornalista em São Paulo, editor do site Construir Resistência, com passagens por jornais, TVs e assessorias de imprensa públicas e privadas. Fez campanha eleitorais televisivas, impressas e virtuais, a maioria vitoriosas. →  

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Direita vence eleições marcadas pela ascensão da ultradireita em Portugal

Por Nelson Franco Jobim – Quarentena News  Partido anti-imigrantes quadruplicou a bancada A Aliança Democrática (AD), de centro-direita, venceu as eleições parlamentares antecipadas realizadas no domingo em Portugal com uma pequena vantagem sobre o Partido Socialista (PS), que governava o país há nove anos, mas a grande novidade foi o crescimento do partido Chega, de extrema direita, anti-imigrantes. Como o líder da AD se nega a fazer aliança com a ultradireita, uma Assembleia da República mais fragmentada aponta para um aumento da instabilidade política. Com 99% das urnas apuradas, a Aliança Democrática teve 29,49% dos votos e elegeu 79 deputados, dois a mais do que o Partido Socialista, que teve 28,66% dos votos. O Chega conquistou pouco mais de 18% dos votos. Quadruplicou a bancada de 12 para 48 deputados. A extrema direita passou a ser a terceira maior força política do país. Nos próximos dias, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa deve convidar o líder da Aliança Democrática, Luís Montenegro, para formar o próximo governo. Sem a extrema direita, será impossível formar um governo com maioria na Assembleia da República, de 230 deputados, a não ser que direita e esquerda se unem numa grande coalizão para barrar o neofascismo. Se não houver acordo, os portugueses terão de voltar às urnas em breve. A ascensão do neofascismo é um fenômeno global alimentado pela crise da democracia em garantir o bem-estar das classes médias na era da globalização. Portugal é apenas um entre tantos exemplos. Nelson Franco Jobim é jornalista especializado em assuntos internacionais e professor universitário.  Foi editor internacional do Jornal da Globo e correspondente do Jornal do Brasil em Londres  

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Cuca faz depoimento inesperado, forte, histórico e comovente

Por Milly Lacombe – colunista do UOL A luta feminista é cheia de altos e baixos. Tem dias em que tudo parece ruir, a vontade de seguir na batalha enfraquece, parece que não teremos força para continuar. Em outros, tudo se renova e o horizonte fica largo. A noite de 10 de março foi uma noite de renovação de esperança. E a esperança chegou através de um personagem improvável: Cuca. Cuca, o novo treinador do Athletico Paranaense, estreou no comando do clube com uma goleada de 6×0 sobre o Londrina. Na sequência, foi para a coletiva. O que esperar? Eu estava assistindo. Cuca então falou sobre a goleada e parecia que seria isso até ele avisar que, depois de falar do jogo, leria um depoimento. Visivelmente nervoso, terminada a coletiva, ele começou a ler um texto. O assunto soterrado até ali era o do caso de estupro na Suíça cuja sentença foi recentemente anulada. Tremendo, Cuca disse que leria porque não estava ainda preparado para falar livremente sobre um tema tão sério. Sugeriu que seria mais seguro ler para evitar derrapadas. Fez bem. O tema é bastante grave e exige essa seriedade mesmo. Cuca começou reconhecendo que estava nervoso. Depois leu o depoimento de forma emocionada e pausada. Pela primeira vez, saiu da posição de protagonista. “Entendi que isso não é sobre mim”, ele disse. E seguiu: “Escolhi me recolher durante muito tempo e mesmo assim pude seguir minha vida. Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir com a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura pra sempre.” “Eu enxergava sim os problemas, inclusive recorrentes aqui no nosso universo do futebol e dos homens. Mas me calei porque a sociedade permite que um homem se cale. Aliás, permitia!! Agora eu entendo, mesmo sem ainda conseguir me aprofundar para falar do jeito que seria certo, eu entendo que não posso mais me recolher, ficar calado, porque silêncio soa como covardia. Venho buscando ouvir mais, aprender, compreender. Não posso mudar o passado. Quantos de nós, homens, que agora me escutam, são capazes de olhar para o passado e rever atitudes?” Achei essa parte bastante importante e corajosa. Quantos podem olhar para trás e ter a coragem de rever erros cometidos contra mulheres? Cuca deu um passo à frente e chamou seus colegas a repensarem ações. “O mundo é um lugar muito diferente para homens e mulheres e quando a gente enxerga isso a gente pode até resistir, mas alguma coisa começa a mudar. E esse é o primeiro passo. Depois o sentimento é de real desejo de mudança. Só que as mudanças honestas e verdadeiras levam tempo, exigem dedicação, estudo, são dolorosas e desafiadoras”. Cuca terminou dizendo que agora vai se manifestar através de ações e que podemos cobrar. Cobraremos, sem dúvida. Mas antes disso seria importante reconhecermos que precisamos de aliados e que Cuca chegaria para somar. Não vamos mudar o mundo sozinhas e notar as pessoas se transformando é evento tão bonito quanto potente. Usar o passado para reconhecer o perigo, reconhecer erros para evitar que outros os cometam e, assim, transformar a sociedade para que nossas filhas e netas vivam num mundo seguro onde possam ser livres. Vem, Cuca. Vem batalhar com a gente.

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