Por Jorge Antonio Barros
O assassinato de Marielle jamais teria sido elucidado se o ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, não tivesse retirado o caso da responsabilidade da Polícia Civil do Rio e levado para a Polícia Federal.
O Caso Marielle comprova tristemente que a segurança pública do Rio está dominada pela banda podre da polícia. Seis anos após o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson, em plena região central do Rio de Janeiro, a operação Murder Inc., deflagrada pelo Ministério Público federal e pela Polícia Federal, prendeu nesta manhã de domingo três suspeitos de serem os mandantes do crime. A prisão foi feita com base na delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, que bateu com a língua nos dentes e finalmente revelou os nomes dos mandantes. Os presos são os irmãos Chiquinho (deputado federal pela União Brasil) e Domingos Brazão (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio) e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, delegado Rivaldo Barbosa.
Irmãos Brazão, um deputado federal e o outro conselheiro do TCE, foram acusados em delação premiada do homem que puxou o gatilho para matar a vereadora
Os presos serão transferidos para o presídio de segurança máxima em Brasília. Os irmãos Brazão seriam os mandantes e o delegado Rivaldo Barbosa está sendo acusado de obstrução de Justiça. Ele foi nomeado chefe da Polícia Civil em 2018 pelo então interventor federal na segurança pública do Rio, o general Braga Netto, que está sendo acusado de atentar contra o estado democrático de direito na quadrilha chefiada pelo ex-presidente Bolsonaro. Agora a polícia precisa obter provas de que eles realmente têm envolvimento com o crime.
De qualquer forma, a prisão dos três se encaminha para responder a uma das perguntas mais difíceis feitas pela sociedade nos últimos seis anos: quem mandou matar Marielle e seu motorista. O assassinato de Marielle jamais teria sido elucidado se o ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, não tivesse retirado o caso da responsabilidade da Polícia Civil do Rio e levado para a Polícia Federal. Dino percebeu que a investigação patinava e havia muita desinformação provocada pelos próprios envolvidos. O primeiro delegado a investigar o caso, Giniton Lages, e seu principal auxiliar à época, Marcos Antônio de Barros Pinto, tiveram documentos e celulares apreendidos. Lages fora nomeado pelo então chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, hoje encarcerado.
De acordo com a delação premiada feita por Ronnie Lessa, Rivaldo teria garantido aos mandantes que o crime não seria elucidado, embora ele tivesse se destacado à frente da Delegacia de Homicídios como bom investigador, antes de assumir a chefia da Polícia Civil. A prisão de Rivaldo, a meu ver, é a grande novidade no caso, já que o delegado tinha uma atitude irrepreensível diante do crime. Rivaldo foi a primeira autoridade a receber a família de Marielle e, na ocasião, afirmou se comprometer em dar prioridade ao caso. Se seu envolvimento se confirmar, comprova que cada vez mais a população do estado do Rio está desprotegida em relação ao crime organizado, sobretudo as milícias.
A principal causa do assassinato seria uma disputa política entre Marielle e os irmãos Brazão que seriam ligados a grupos de milicianos da Zona Oeste do Rio.
A prisão de um chefe de Polícia Civil, acusado de envolvimento com crimes, infelizmente não é a única na história recente do Rio. Desde a década de 1980, agentes da cúpula das polícias têm sido envolvidos em escândalos de corrupção e associação ao crime organizado. Na década de 1980, o primeiro deles foi o delegado Arnaldo Campana, o primeiro secretário de Polícia Civil, nomeado pelo governador Brizola. Desde 2008, outros três chefes da polícia foram presos acusados de envolvimento com o crime – Álvaro Lins, Ricardo Hallak e Alan Turnowski também foram presos acusados de envolvimento com o crime. Turnowski conseguiu, até que se prove o contrário, provar inocência.
O fio da meada que chegou à prisão dos suspeitos de serem mandantes do assassinato de Marielle foi puxado pelo pistoleiro e ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ter feito os disparos contra Marielle Franco e Anderson Gomes em 2018. Em março de 2019, ele foi preso após delação premiada feita por Élcio de Queiroz. E tem gente que é contra a delação premiada, um dos instrumentos mais eficazes para desbaratar o crime organizado.
Suspeito de ter atuado com matadores do Escritório do Crime, do capitão Adriano da Nóbrega, Lessa também teria praticado crimes de execução por ordem do bicheiro Rogério Andrade. Um dos indícios de que era associado de Rogério foi o atentado a bomba que Lessa sofreu, que o deixou sem parte da perna esquerda (a direita ficou intacta). Andrade e seus parceiros foram alvos de atentados a bomba executados por um militar que trabalhava para Fernando Ignácio, arquiinimigo de Andrade.
Só cinco anos depois de sua prisão, Ronnie Lessa quebrou o silêncio. Em janeiro deste ano, ele fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Lessa decidiu falar depois que percebeu que havia caído a rede de proteção dele. Lessa ficou sem pai nem mãe. Então abriu o bico. A garantia de impunidade, muito comum, entre próceres da República, acabou enganando os protetores de Lessa que coincidentemente morava no mesmo condomínio do ex-presidente da República, o Vivenda das Pedras, na orla da Barra da Tijuca.
Lessa já foi expulso da PM depois de condenado em 2021 a quatro anos e meio de prisão pela ocultação das armas que teriam sido usadas no crime.
Lessa também é acusado de tráfico de armas – um artigo muito bem aceito pelo ex-presidente Bolsonaro e seus aliados. Segundo o Ministério Público Federal, Ronnie Lessa fez dez importações ilícitas de peças e acessórios bélicos, entre 2017 e 2018. Foi comprovado que o material, destinado a montar fuzis, armas de airsoft e de pressão a gás, foi importado com essa finalidade. Lessa tem o perfil de eleitor de Bolsonaro e tudo indica que o filho do ex-presidente, Carlos Bolsonaro, se dava muito bem com o vizinho, quando era PM. Lessa já confirmou em entrevista que recebeu ajuda de Bolsonaro para receber prioridade em atendimento na ABBR, depois que perdeu parte da perna.
A mentira é algo que foi incorporado ao cotidiano desses criminosos, mesmo quando a casa cai. A Polícia Federal precisa investigar muito bem tudo que está aí porque é bem possível que esteja faltando alguém em Nuremberg. Assim como Lessa, Domingos Brazão mentiu quando seu nome surgiu há algum tempo como mandante. Brazão já chegou a chorar na frente de jornalistas, negando qualquer envolvimento no crime. Lágrimas de crocodilo?
Jorge Antonio Barros é jornalista, editor do Quarenta News, com passagens pelos principais jornais do Rio de Janeiro.
Título original do autor:
POLÍCIA FEDERAL PRENDE SUSPEITOS DE SEREM MANDANTES DO ASSASSINATO DE MARIELLE, ENTRE ELES UM EX-CHEFE DA POLÍCIA CIVIL
Olho original do autor:
Irmãos Brazão, um deputado federal e o outro conselheiro do TCE, foram acusados em delação premiada do homem que puxou o gatilho para matar a vereadora