“O presidente do Banco Central não corre riscos e ficará impune, se fizer o mesmo caminho de Sergio Moro”
Sergio Moro tentou criar uma marca icônica, quando decidiu trabalhar para Bolsonaro. Na primeira aparição já como contratado, ao lado de Paulo Guedes, na entrada do condomínio da Barra da Tijuca, ergueu a mão direita só com os dedos indicador e médio na vertical.
Moro teve a petulância de se apresentar como o Jesus Cristo do bolsonarismo, enquanto acenava para os fotógrafos com os dois dedos dos milagres, levemente dobrados. Foi em 1º de novembro de 2018, quatro dias depois do segundo turno.
A foto foi parar nas capas de todos os jornais online. Com o uso grotesco de um clichê cristão, Moro acenava como se estivesse espargindo bênçãos.
Por que aquilo? Porque sua decisão de trabalhar para o sujeito que ele havia beneficiado, depois de caçar e encarcerar Lula, estava acertada desde antes da eleição e era vista com naturalidade pelas elites, pela grande imprensa, pelos juristas liberais, pela Fiesp, pelos milicianos e por pelo menos metade da população.
A imitação de Jesus Cristo foi repetida à exaustão por alguns meses, até Moro perceber que era ridícula. Mas ele está aí, poupado pelo sistema de Justiça que a Lava-Jato humilhava, mesmo que um pouco alquebrado.
O ex-juiz não teria feito uma caminhada errática e delituosa, como empregado de Bolsonaro e de uma consultoria beneficiada pelo lavajatismo, se não tivesse se beneficiado do sentimento de normalidade.
É o que se repete com Roberto Campos Neto. Os movimentos do presidente do Banco Central em direção aos herdeiros do bolsonarismo estão sendo naturalizados, como aconteceu com Moro, porque é assim que as coisas funcionam desde o momento em que a extrema direita engoliu a velha direita.
Campos Neto pode tomar chá da tarde com Tarcísio de Freitas, às vésperas de uma reunião do Copom, que não acontecerá nada. Teremos notinhas nos jornais dizendo que não deveria, que não é de bom tom, mas nada além disso. Como faziam com Moro.
Campos Neto poderá sair do BC e ir comer pão com leite condensado na casa de Bolsonaro. Será normal, como era com Sergio Moro. Como não acontecerá nada com todos os que cumprirem o mesmo roteiro de sabotar Lula para depois trabalhar para o bolsonarismo.
Se Campos Neto levar toda diretoria do BC afinada com ele para o governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo, quando sair do BC, nada acontecerá. Campos Neto está preparando, dentro do Banco Central, a carreira política. Seu avô, homem da ditadura, foi senador por Mato Grosso.
Na estrutura de sabotagem contra Lula, ele é para as elites o personagem mais importante. Porque imobiliza o governo com os juros altos, cria atritos de Lula com o mercado financeiro e oferece a perspectiva de vir a ser, na engrenagem do que sobrou do bolsonarismo, o Sergio Moro da Faria Lima.
O que pode ser feito para que algum mecanismo de controle, de contenção ou de reparação evite ou depois o condene como parte das facções do fascismo, enquanto dirige o BC? Nada. A normalização é generalizada, desde Moro, e tem jurisprudência.
Roberto Campos Neto vai continuar à vontade, como se sentiu nos jantares com Luciano Huck e depois com Tarcísio de Freitas e seus convidados especiais. O país perdeu, se é que um dia teve, a capacidade de reagir a esses atrevimentos.
O engajamento de Campos Neto a grupos que desejam derrubar Lula é declarado e explicitado, sem qualquer preocupação com escrúpulos, decoros ou algum código básico de conduta.
Preparem-se para a festa de recepção a Campos Neto no bolsonarismo, que pode ser discreta, mas haverá. Como houve para Sergio Moro. O moralismo da extrema direita patrocinadora do PL do estupro não se importa com promiscuidades.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.