Por Gilberto Maringoni
JAIR BOLSONARO protagonizou na avenida Paulista o mais importante ato político deste 7 de setembro. Esqueça as peripécias tediosas de blindados e marchas sincronizadas do desfile oficial e careta de Brasília. A extrema direita voltou a ostentar força onde importa: no centro nacional do dinheiro, a capital paulista. Estive por lá, na tarde desse sábado, tentando ver a capacidade de mobilização dessa turma.
POLITICAMENTE, O FATO de maior destaque é que o bolsonarismo ainda não fez sua opção eleitoral em São Paulo. O prefeito Ricardo Nunes sequer foi anunciado no palanque, no início da tarde, e Pablo Marçal fez aparição relâmpago ao final, também sem menção. Empatados tecnicamente com Guilherme Boulos (PSOL), os bolsonaristas ainda não contam com apoio claro do führer do golpe.
EMBORA A MANIFESTAÇÃO REAÇA não tenha chegado perto dos 200 mil que o ex-presidente e seus acólitos levaram ao mesmo local em 28 de fevereiro, a mobilização foi expressiva. Cálculos de pesquisadores ligados à USP calculam algo em torno de 40-50 mil pessoas.
O adensamento popular foi grande em torno do mesmo caminhão-palco de seis meses atrás, atravessado em uma das esquinas do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Isso significa três quadras de multidão compacta ao seu redor e dispersão em direção aos extremos dos dois quilômetros da via. Ao longo do asfalto, além de camelôs expondo bandeiras do Brasil e de Israel e camisetas da seleção, havia farta venda de bonés de Pablo Marçal.
DE MANEIRA IMPRESSIONISTA, a composição do evento do Dia da Pátria foi menos popular e mais de classe média do que o anterior, que contou com grande presença de pobres. O clima geral era mais agressivo, com um segundo caminhão de som, no qual se revezava ao microfone um baixo escalão bolsonarista, cujos oradores disputavam para ver quem atacava Alexandre de Moraes de forma mais virulenta.
EM POUCO MENOS DE DUAS horas de manifestação, nove oradores soltaram a voz, entre eles Silas Malafaia, Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira e Tarcísio de Freitas, todos em tom quase raivoso contra o governo e o STF. Silas Malafaia, o regente de toda a função, falou por 22 minutos, ao final, antes de Bolsonaro. Quase histérico, com a voz beirando o falsete em momentos de nervosismo, entremeava frases aos alertas de “prestenção!”. Espancou Lula e Alexandre Moraes sem dó. O primeiro “envergonha o país” ao “receber elogios de assassinos e terroristas do Hamas”, e o segundo atenta “contra a democracia e o Estado de direito”.
MAS FOI BOLSONARO O MAIS BELICOSO em cena, contrariando o comportamento de fevereiro. Ao longo de 23 minutos, esmerou-se em elogiar a própria vida e carreira, além de seu governo. Antecedido por um funk acelerado – “Por onde ele passa/ Arrasta essa massa/ Com a nossa bandeira/ Da nação brasileira” – reapareceu o Bolsonaro versão cercadinho. Póu! Bam! Crás! “Não podemos concordar com o cerco político contra aqueles coitados de 8 de janeiro”. Uma das baderneiras seria apenas “uma mulher cristã” que merece anistia. Aliás, anistia é a palavra de ordem do ato, para livrar a cara não apenas da arraia-miúda, mas a do próprio chefe. Anistia para os que depredaram os palácios, eles não sabiam o que faziam, faltou dizer.
SE DEPENDER do governo Lula – através da ação de Paulo Gonet, homem de estrita confiança do presidente – as investigações contra Bolsonaro e sua trupe ficarão para as calendas. O adiamento de qualquer iniciativa “para não contaminar o processo eleitoral” tem toda pinta de arranjo legal para inocentar o ex-presidente.
PARTE DA ESQUERDA, em claro comportamento de autoengano, teima em desqualificar a performance direitista como “esvaziada”, ou “flopada”. A comparação deve ser feita com o contingente que o progressismo tentou levar às ruas desde o início do ano. A última iniciativa de mobilização popular protagonizada por Lula – o 1º. de Maio, no estacionamento da Arena Corinthians – atraiu não mais que dois mil gatos pingados.
Apesar da comparação com a campanha de Guilherme Boulos à prefeitura ser inevitável, ela é difícil de ser feita. A coordenação optou por uma campanha despolitizada e sem engajamento nas ruas e redes, sob o argumento que “as pesquisas mostram que estamos na frente” com isso. Melhor não contrariar. No mundo real, o comício de Boulos na praça Roosevelt, no sábado, 31 de julho, repetiu a dose da celebração lulista. Com muita boa vontade havia 2,5 mil pessoas em apoio ao candidato. Fiquemos tranquilos. Eles têm as pesquisas.
Gilberto Maringoni é jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC