Por Tom Cardoso
Tô no Leblon. Por acidente. A menina do RH do jornal confundiu o nome do hotel de mesmo nome em Copacabana e me colocou num três vezes mais caro.
Quarto de hotel pra mim tem que ter um bom chuveiro, ar condicionado e um travesseiro que dobra. E só.
Esse onde eu estou tem até um roupão de cetim branco.
Desconfio que a curadoria é do Álvaro Garnero.
Ontem sai do hotel pra comer alguma coisa.
A Ataulfo de Paiva é o maior corredor da desigualdade brasileira.
De pé, apoiados em mesas de madeira redondas, homens brancos bebendo como se não houvesse amanhã.
Sentados nas calçadas, os negros e pardos, famílias inteiras chefiadas sempre por uma mãe-pedinte (cadê os homens?).
Do começo da Ataulfo até a Praça Antero de Quental, três, quatro quarteirões caminhando, contei oito mães, trinta e seis crianças e sete bebês.
No caminho, no Jobi, vi, sentado na mesa perto da porta, o Arminio Fraga.
Sim, ele mesmo, o dono da Gávea Investimentos, que acaba de propor que o salário mínimo seja congelado por seis anos.
O Arminio Fraga tem 67 anos. Passou parte da vida no Leblon, caminhando pela Ataulfo.
Peguei a calculadora.
Se ele anda pelo corredor da desigualdade desde a adolescência, pelo menos uma vez por dia, há mais de meio século, ele já se deparou com 146 mil mães, 657 mil crianças e 126 mil bebês em estado de miséria absoluta.
E a sua grande solução para as mazelas brasileiras é sugerir que o pobre ganhe a mesma coisas nos próximos seis anos.
Deu uma vontade da porra de dar uma bica na mesa dele, seguido da minha tradicional – e temida – surra de pinto mole, mas deixei pra lá.
Comi uma coxinha de 38 reais de frango orgânico, fui pro hotel, tomei um banho, coloquei o roupão Álvaro Garnero e dormi como um rei.
Tom Cardoso é jornalista
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