Por Sonia Castro Lopes
Como diria minha mãe, os milicos hoje “estão por cima da carne seca.” Ou seja, estão numa situação vantajosa. Mas de onde vem essa expressão? Rapidamente, o google responde: a expressão surgiu com os tropeiros que, para dar mais conforto às longas viagens, colocavam pedaços de carne-seca sob o pelego que usavam sobre o lombo das mulas e assim ficavam “por cima da carne-seca.” Já há quem afirme que o berço desta frase foi o próspero comércio do charque existente no país muito antes da chegada dos frigoríficos. As duas hipóteses são aceitáveis. Mas voltemos aos milicos. Aliás, outro termo muito utilizado no tempo da ditadura civil-militar que, de forma pejorativa, dizia respeito aos integrantes das forças armadas. Quase sempre ‘milico’ referia-se às patentes mais baixas, mas vou aqui generalizar e estendê-lo aos integrantes das altas patentes.
Acho que nunca tivemos tantos deles mamando nas tetas do governo desde o início da ‘nova república.’ Ao que se sabe são mais de 6000, sendo metade da ativa, assessorando ministérios e secretarias que nada tem a ver com a área de atuação militar, num caso típico de desvio de função. Veja-se o caso mais comentado, o do general Pazuello, que ocupou durante meses o ministério da saúde e agora está sendo investigado pela CPI como responsável pela omissão e negligência do governo em relação à pandemia da Covid que já vitimou quase meio milhão de brasileiros. Apesar da ficha corrida, o sujeito foi convidado a participar da motociata promovida no Rio de Janeiro pelo atual ocupante do Planalto e teve o topete de subir ao palanque para elogiar o chefe que insistiu em proteger durante seu depoimento à CPI. E mais: além de não sofrer qualquer tipo de punição, ainda faturou uma assessoria que vai lhe acrescentar 17 mil ao soldo de general três estrelas que, diga-se de passagem, foi reajustado ano passado (Lei n. 13.321/20), ao contrário dos servidores civis que sobreviverão não sabemos por quanto tempo com seus salários congelados.
Praticamente a metade do ministério do atual governo é composta por milicos. O ocupante do planalto faz questão de proclamar que o ‘seu exército’ está disposto a defender a democracia dentro das quatro linhas da constituição. Desde quando indivíduos que têm o coronel Brilhante Ustra como referência estão dispostos a lutar pela democracia? É fato que os militares se acham mais disciplinados e patriotas que os civis, acreditam ser a ‘reserva moral’ da nação e, por isso, se julgam defensores da ordem. Certamente essa foi a ideia que moveu o general Villas Boas, o que publicou um tuite intimidador ao STF que acabou por negar o habeas corpus ao ex-presidente Lula e a quem o capitão declarou “dever a vitória” no pleito de 2018. Foi essa turma que inventou o tal ‘poder moderador’ conferido pelo artigo 142 da CF e que, na interpretação enviesada deles, lhes daria poder de intervir nos demais poderes para garantir a lei e a ordem.
Os militares sempre interferiram na política brasileira por meio de golpes e projetos autoritários. Foi assim na ditadura varguista e em 1964. Sabemos que as democracias hoje não sofrem rupturas por golpes violentos, mas vão sendo minadas aos poucos pelo ataque às suas instituições. Partidários do capitão não escondem seu desejo de fechar o STF, o Congresso ou boicotar a mídia que faz oposição ao seu líder. A conduta autoritária do atual governo rejeita as regras do jogo democrático quando ameaça não aceitar o resultado das eleições, quando afirma que seus opositores constituem grave ameaça à segurança nacional ou quando arma policiais e milicianos para respaldarem suas atitudes arbitrárias.
A ingerência dos milicos na política e, recentemente, o episódio Pazuello suscitaram uma série de análises de historiadores e cientistas sociais que, em geral, apostam num exército dividido, cujo alto comando não embarcaria na aventura bolsonarista. Tenho minhas dúvidas. Todos, tanto os demissionários quanto os defenestrados aderiram à candidatura do capitão desde o primeiro momento, mesmo conhecendo seus (maus) antecedentes. Pertencem todos à mesma geração, formaram-se na academia militar no pior período da ditadura, foram cooptados com cargos, vantagens e outros benefícios que ampliam consideravelmente seus soldos. Em minha opinião, nossos milicos obedecem ao capitão porque se identificam com a ideologia deste governo. É esse o preço que o país paga por não ter punido como deveria os militares envolvidos com práticas de tortura na época da ditadura.
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Falou e disse!
Obrigada pelo retorno, amiga!