Construir Resistência
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50 anos da morte do Frei Tito

Por Jaques Gruman

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No dia 10 de agosto de 1974, cinquenta anos exatamente hoje, suicidava-se na França o frade dominicano Tito de Alencar Lima. Frei Tito participou, ao lado de outros religiosos dominicanos, da resistência contra a ditadura civil-militar implantada em 1964.
Preso, foi barbaramente torturado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais sádicos agentes do terrorismo de Estado brasileiro.

Compartilho com vocês o belo artigo da professora Adelia Bezerra de Meneses, ex-militante da AP (Ação Popular) e que conheceu Tito na luta contra a ditadura.

Lembrar de Frei Tito é uma forma não apenas de homenagear os que tombaram combatendo a tirania, mas também lembrar às novas gerações do imperativo de não se acomodar, de não se conformar com os autoritários de todos os calibres.

Frei Tito: presente!

‘MEMÓRIA NÃO MORRERÁ’ – Adelia Bezerra de Meneses

Era para ser apenas um passeio pelo Quartier Latin, em Paris. Numa esquina do Boulevard Saint-Michel, em julho de 1971, alguém me deu um encontrão que quase me derrubou: era o Tito, Frei Tito de Alencar Lima, afobado, como que fugindo.

Eu não sabia que Frei Tito (1945-74) acabara de integrar o grupo dos 70 presos políticos trocados pelo embaixador suíço sequestrado no Brasil. Só descobri ao chegar em casa, quando me informaram que Tito tinha sido barbaramente torturado —pau de arara, fio desencapado introduzido na uretra, choques, cadeira do dragão etc. (E pensar que, no Brasil, não se prestou contas do terrorismo de Estado!)

Eu havia conhecido Frei Tito em meados da tensa e intensa década de 1960, cruzando com ele nos corredores do convento dos dominicanos, onde participava de reuniões. Os frades se tinham postado na resistência à ditadura, e antes mesmo de se engajarem na ajuda em fugas pelo Sul, a cargo de Frei Betto, franqueavam os espaços do convento para atividades consideradas “subversivas”.

Assim, nós, estudantes da Maria Antônia (a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP), bem como os da PUC, lá realizávamos reuniões de várias siglas em que se dividia o movimento estudantil. No meu caso, encontros da AP (Ação Popular) e da Alfabetização de Adultos Método Paulo Freire, numa vila operária em Osasco (SP). Agora, tantas décadas depois, penso que aquilo era realmente “subversivo”: uma ação no sentido de os alfabetizandos se reconhecerem como criadores, como sujeitos históricos, numa percepção ainda que tímida da junção entre a mão que faz e a cabeça que pensa: o primeiro passo no rumo da tão buscada conscientização libertadora. “Ivo viu a uva”, poderiam continuar a dizer as cartilhas.

Mas perguntar em que condições Ivo plantava a uva, como agia o proprietário das terras, qual era o lucro na comercialização do vinhedo… Era tudo altamente desestabilizador.

Volto ao encontro com Frei Tito, em 1971. Conversávamos na rua e, de repente, ele agarrou meu braço e literalmente nos arrastou para dentro de um café. E dizia: “Viu o Fleury? Ele virou a esquina!”. No café, seus olhos não abandonavam a porta por onde, repetia, a qualquer momento entraria o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o torturador. Com as sevícias que o destroçaram no DOI-Codi, tendo internalizado seu carrasco, Tito o carregava para onde quer que fosse.

Como narra Frei Betto em “Batismo de Sangue” (Rocco), leitura obrigatória para quem quiser saber o que se passou na ditadura brasileira, Frei Tito entrara, sim, como sentenciou um dos agentes do DOI-Codi, na “sucursal do inferno”, da qual só sairia quando a morte buscada o libertou há exatos 50 anos, em 10 de agosto de 1974.

Acabei sendo inesperada testemunha da demolição psíquica desse rapaz de 26 anos —e tenho o dever da memória. Como dizem Milton Nascimento e Fernando Brant, em “Sentinela”: “Morte, vela, sentinela sou / do corpo desse meu irmão que já se foi / Revejo nessa hora tudo que aprendi / Memória não morrerá”.

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