‘Sobrevivi ao Holocausto e namorei a filha de oficial nazista sem saber’

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Gabriel passou pela Áustria antes de mudar para o Brasil
Gabriel passou pela Áustria antes de mudar para o Brasil Imagem: Arquivo Pessoal

Gabriel não se lembra de todos os diálogos que teve com Ingrid, mas afirma que ela não tinha como não saber que ele é judeu. “A gente conversava, falava dos tempos da guerra. E o meu sobrenome, Waldman, seria altamente suspeito para qualquer um. Mesmo se eu não tivesse falado, meu próprio nome ia me trair.”

Se ela fosse antissemita ou nazista, e soubesse que eu sou judeu, ela não teria começado a namorar comigo. Toda essa história é absurda: ela namorar comigo, os pais me receberem de braços abertos. Eu mesmo, que vivi essa história, não consigo acreditar nisso.Gabriel Waldman

Gabriel lembra que, na época, não sabia no que acreditar: no que estampava as páginas do jornal ou naquilo que ele mesmo viveu — Stangl parecia duas pessoas diferentes.

Depois, ele aceitou. “A Ingrid era pequena, tinha seis anos quando a guerra terminou. Ela não tem culpa de nada, ao contrário, eu tenho muito respeito por ela. Ela ousou namorar um judeu.”

História virou livro

Toda essa história ficou guardada no íntimo de Gabriel por décadas. Durante a pandemia, ele estava na casa de Celso Lafer (ex-ministro de relações exteriores do Brasil e amigo dele há muitos anos) e folheou um livro sobre a mesa

Comecei a folhear, encontrei o ‘caso Stangl’ e o Celso entrou na sala. Falei para ele que, em um dos meus aniversários, ele conheceu a Ingrid porque ela era a minha namorada. Ele disse: ‘Gabor (Gabriel em húngaro), você precisa escrever sobre isso’.Gabriel Waldman

No dia seguinte, ele recebeu um email do próprio Lafer que citava uma frase de Isak Dinesen, pseudônimo da escritora Karen Blixen, que o fez pensar melhor no assunto: toda grande dor pode ser suportada se você escrever sobre ela. A frase ficou famosa por ser citada por Hannah Arendt em “Homens em Tempos Sombrios”.

“Quando eu li essa frase, eu caí em mim.”

Gabriel e familiares
Gabriel e familiares Imagem: Arquivo Pessoal

A história que Gabriel viveu se tornou o livro ‘Ingrid, a filha do comandante’, lançado em abril deste ano. A obra é chamada por ele de biografia literária: os fatos aconteceram, mas os diálogos são ficção.

Perguntas sem resposta

Gabriel nunca mais viu Ingrid. Ele teve notícias dela no ano passado, quando falou pela primeira vez em público sobre o assunto, em um podcast. O sobrinho dela, neto de Stangl, o procurou para conversar. Ingrid está viva e não mora em São Paulo. “Eu falei que gostaria muito de encontrá-la, mas ele me disse para não esperar por isso.”

Quando li a reportagem sobre o pai dela, talvez eu deveria ter telefonado e dito que sentia muito. Mas eu pensei na minha família, morta nos campos de extermínio, e não tive coragem. Essa história ficou enterrada no fundo da minha alma de uma forma dolorosa.Gabriel Waldman

*nome fictício (no livro e no relato ao UOL, ele prefere não expor a identidade da mulher)

Título: Ingrid, a Filha do Comandante
Autor: Gabriel Waldman
Editora: Buzz (160 págs.; R$ 38,17 | E-book: R$ 39,90)

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