Putabraço, Fratello

Por Virgílio Almansur 

Silvio Lancelotti e Virgílio Almansur

Foi-se o amigo Sílvio! Lancellotti deixará gratas lembranças às resenhas esportivas, às críticas futebolísticas com muito rigor e lavras impecáveis, com o sabor invejável que o mestre da cozinha muito bem sabia temperar.

Nossos últimos contatos giravam em torno d’Os Assassinos do Abecedário, depois de mais de duas dezenas de obras que encantaram e encantam o português; quem admira essa língua e àqueles que postulam por uma escrita dígna, terá nesse quase thriller o repórter investigativo que se apropriou um pouco da psiquiatria (como ele admitiu) para confecccionar esta obra que segue Honra ou Vendetta e traz o personagem Tony Castellamare, que se obriga a desmantelar uma quadrilha de serial-killers amantes de uma religiosidade e que mata em ordem alfabética. Rimos muito! Ainda saboreando…

Sílvio Lancellotti vinha preocupado com seu primo padre que arrebenta em São Paulo com obras sociais que precisam de muito apoio, mas deve tomar cuidados. Todos o sabemos… Contou-me sobre a origem do Padre Júlio, seus pais e outros primos, focando na excelência das preocupações sociais e fazendo louvor às propostas de Haddad. Isso há poucos dias, logo depois de sua primeira internação no Hospital Alemão.

Num de nossos últimos encontros, na Cantina de Nápoli, em Higienópolis, estivemos com uma amiga comum, a colega Valéria Nador. Pediu-nos que tão somente pagássemos o vinho. O restante ficara por conta do restaurateur, amigo de longa data do jornalista que principiou o futebol italiano no Brasil. Ali, o fratello fez questão de sentar-se ao lado de uma foto de Pavarotti que presenteara a casa. Sílvio comentou criticamente todos os três pratos e em seguida conseguimos atualizar muitos papos de seus tempos na arquitetura e depois como o “jornalista por paixão” que foi tomando corpo nos anos seguintes à sua formação.

Sílvio trabalhou em oito edições de Copa do Mundo. Foi voz marcante em veículos como Bandeirantes, até 2002. Mais tarde ficaria na ESPN até 2012.

Lancellotti teve incentivo de Luciano do Vale para o futebol internacional ainda nos anos 80 (“Luciano fez de mim um comentarista esportivo”, disse-me ele nesse encontro). Ao todo, foram 11 anos na emissora paulista, quando a culinária, aos domingos, mesclada às narrações esportivas, recebia a voz jocosa de um outro Silvio, o narrador Silvio Luiz. Recentemente escrevia, magistralmente, para o R7. Diga-se, até, há 20 dias e com muita participação aqui mesmo no FB.

Grande contador de causos, Sílvio era preciso nas abordagens, sempre tendo datas também precisas, viagens extremamente degustativas para um aporte especial nas Copas. Mais: como criador de Veja, saborosas histórias surgiram. Seus textos irradiavam uma espécie de esperança… Esperança que comungava às tarefas de expor o melhor. Foi dele várias colunas na Folha e Estadão que sorvia, eu, com um prazer enorme.

Lancellotti ainda, há pouco, quis saber se havia novas pizzas na praça. Falei-lhe que um amigo, num quase quintal de casa, o Tutta, fazia umas pizzas quadradas. “… Quadradas, fratello? Bom… Vamos lá!!!”

Tutta recebeu Sílvio com muita pompa e circunstância. Conversaram num italiano gostosíssimo e a pizza despertou algum interesse. Passado algum tempo, Sílvio me indagou: “… A pizza é um retângulo! Dará certo esse negócio, fratello?”

Resolvi abafar o incômodo; disse-lhe que valeria a pena elogiar e esperar… Claro: saiu com quatro caixas. Quadradas!

Certa vez fizemos uma mesa num dos Salões do Automóvel. Faz muito tempo. Nem ele, nem eu, sabíamos do porquê. Era na Jeep. Rindo, perguntou-me: “… Você tem Cherokee?”. Falei-lhe que não e devolvi a pergunta, ao que me respondeu: “… Nem carro, fratello!!!”. E seguimos para o “embate”… Na mesa ninguém falou. Feitas as apresentações, meia dúzia como eu, fizemos cara de estátua e assistimos quase 90 minutos de histórias as mais diversas e… muito saborosas. Saimos juntos com as luzes se apagando e perguntou-me se havia se saído bem. O que dizer?

Ultimamente vinha se queixando de muita fraqueza e dificuldade para locomoção. Carregava uma anemia que o derrubava. Mesmo assim não perdia aquela verve de quem protagonizou na mídia ou mídias — discorrendo sobre campeonatos diversos e com a mão na massa… Queria ser lido… Tratou-me disso quando deixou o Hospital. Escrevemo-nos e depois nos falamos… Parou…

Perdemos todos um campeão da comunicação, do cuidado no trato de pratos e páginas e páginas de estilo ímpar.

Frattelo!!! Meu saudoso abraço! E como você preferia e preferiria: PUTABRAÇO!!!

 

 

Virgílio Almansur é médico, advogado e escritor

 

Contribuição para o Construir Resistência ->

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *