Por Hugo Souza – Come Ananás
Nesta semana, a mais quente do ano, durante cinco dias as luzes não brilharam e os ventiladores não giraram no Vidigal, favela da Zona Sul do Rio de Janeiro onde moram cerca de 13 mil pessoas.
A energia voltou na última quarta-feira, 15, após protestos de moradores na avenida Niemeyer, que liga os bairros “nobres” de São Conrado e Leblon. No Leblon, na avenida Delfim Moreira, ao longo de toda a semana o Hotel Marina seguiu aceso e não foi pelo morro Dois Irmãos, sobre o qual ergueu-se a favela do Vidigal.
A Light disse que a luz caiu no Vidigal por causa do excesso de ligações clandestinas na favela – os gatos -, mas a empresa não disse porque levou cinco dias para restaurar o fornecimento de energia. Pelo visto, guardada a diferença entre ficar sem luz e ficar sem a vida, não é só na Palestina histórica que os viventes de faixas oprimidas são alvo de punição indiscriminada.
Há 15 anos, em 2008, o jornalista Lauro Jardim publicou no jornal O Globo uma minuciosa reportagem sobre a privatização do setor elétrico no Rio, levada a cabo em 1996, com as vendas da Light e da Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro (Cerj); sobre os interesses sui generis aos quais ela serviu, os interesses coletivos que ela vilipendiou, as mentiras que lhe serviram de baliza, os gatos feitos feitos nela pelo poder econômico e seus entrepostos no poder público, as implicações que a privatização teve para a população.
Reproduzimos a seguir, na íntegra, aquela reportagem de Lauro Jardim:
“A GP Investimentos está de olho na Light”.

De fato, entre 2008 e 2009 o fundo de private equity GP Investimentos, dos Lemanns, Telles e Sicupiras, chegou a compartilhar o controle da Light, por meio da Equatorial Energia, poucos anos antes, aliás, de a GP assumir o controle do Hotel Marina, em 2013, por meio do Brazil Hospitality Group.
Quando a Light foi vendida na velha Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a maior fatia do leilão da empresa colocada no prego pelo brasileiro brasileiro foi abocanhada pelo estado francês, com a estatal Electricité de France (EDF) arrematando 34% da companhia.
Nesta mesma linha de transmissão, por assim dizer, a Cerj foi vendida naquele mesmo ano de 1996 para um grupo formado pela chilena Chilectra S/A, pela portuguesa EDP (Eletricidade de Portugal S/A) e pela espanhola Endesa Desarollo S/A. A energia da velha capital do Brasil voltava para as mãos da Península Ibérica. Naquele ano, River Plate e América de Cali disputaram a final da Taça Libertadores da América.
A velha Cerj virou Ampla, que hoje é a famigerada Enel. No último 4 de novembro, muitos, mas muitos paulistanos mesmo não conseguiram assistir à final da Libertadores, entre Fluminense e Boca Juniors, porque a transnacional de energia Enel deixou grande parte de São Paulo sem luz.
‘O brilho da verdade’
Cinco meses atrás, Em maio, a gestora de distressed assets (“ativos problemáticos”) WNT assumiu o controle da Light ao comprar, no dia 11 de maio deste ano, 15% da companhia. No dia seguinte, 12 de maio, a companhia pediu recuperação judicial. Poucos meses antes de pedir recuperação judicial, no final de 2022, a Light tinha distribuído R$ 94,5 milhões aos seus acionistas.
Nesta semana, a mais quente do ano, a Light deixou não só o Vidigal sem luz, mas também a Rocinha e vários bairros da Zona Norte. Enquanto isso, para a mídia, os problemas na distribuição de energia no Brasil são, no máximo, uma questão de Procon, e não, como se diz no Rio quando alguém esquece a luz acesa, o ventilador ligado, a televisão falando pras paredes: “você é sócio da Light?”.
Em julho de 1997, o então governador do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, publicou um artigo em jornais dizendo que “as privatizações, como a da Cerj, no ano passado, estão cumprindo a dupla função de fechar os ralos por onde se perdiam recursos públicos e permitir que a iniciativa privada faça os investimentos necessários, que o Estado era impotente para concretizar -possibilitando a prestação de melhores serviços, melhorando a qualidade de vida de milhões de pessoas”.
O título daquele artigo? “Rio: o brilho da verdade”.
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