Passou da hora de dar a palavra a Marcola!

Por Reinaldo Azevedo – Colunista do UOL

Primeiro discurso de Hitler depois de se tornar chanceler, ocorrido no dia 10 de fevereiro de 1933. Seu programa de governo? Considerava-se o legítimo e verdadeiro intérprete das aspirações do povo alemão. E só!

Se o direito à opinião é um bem universal, então já passou da hora de dar a palavra a Marcola, coitado!

Chega de apanhar calado, não é mesmo?

Se um dia alguém o fizesse — ou o fizer (estamos num tempo em que tudo parece possível), certamente seríamos (ainda seremos?) brindados com uma catilinária contra o sistema judicial brasileiro;

contra o modo como se opera a repressão ao crime;

contra as desigualdades sociais e as elites políticas que dão de ombros para as mazelas brasileiras;

contra a falta de assistência às famílias dos presos…

E é bem possível que alguns dos apontamentos que o chefão do PCC fizesse (ou fizer?) até poderiam (poderão?) encontrar amparo na realidade.

Neste domingo, Jair Bolsonaro assinou — seria um exagero dizer que escreveu — um artigo na Folha. O texto apela ao modo imperativo no título: “Aceitem a democracia”.

Deve-se entender que o alvo de sua ordem ou exortação não são seus seguidores, uns democratas congênitos!, como sabemos, mas aqueles que resistem à sua peculiar maneira de exercitar o regime das liberdades públicas, sob o império da lei.

Que momento notável este! O homem que passou quatro anos ameaçando o país com um golpe de Estado;

que convocou diversas manifestações de seus seguidores contra o Supremo, nas quais se pregava abertamente o fechamento do tribunal e a decretação de um novo AI-5;

que mobilizou suas bases contra o sistema eleitoral, embora não tivesse uma miserável evidência de fraude;

que ignorou saberes básicos da ciência durante uma pandemia que matou quase 700 mil brasileiros e os convidava abertamente a arriscar a vida — e quantos não terão seguido a sua palavra, entrando na fila das milhares de covas que se abriam por dia;

que estimulou, quando menos por silêncios eloquentes e palavras ambíguas (e ainda veremos que houve mais do que isso), o assalto às respectivas sedes dos Três Poderes;

que reuniu a sua equipe no dia 5 de julho de 2022 para impedir a realização de eleições;

que se enredou com duas minutas golpistas, uma delas apresentada à cúpula militar, para impedir a posse do presidente eleito;

que mobilizou fardados da ativa e de pijama para decretar estado de defesa apenas nas dependências do Tribunal Superior Eleitoral e TREs;

cujos auxiliares — atendendo a emanações do chefe — chegaram a tomar providências para prender Alexandre de Moraes e o presidente da República;

que chegou a dizer abertamente que ou se teria voto impresso ou não haveria eleição… Bem, esse cara apela ao imperativo: “Aceitem a democracia”.

No artigo que Marcola talvez escreva um dia, pode ser que nos convide: “Aceitem a liberdade”.

Nota do editor – título original: Bolsonaro está para democracia como Marcola para liberdade. E Hitler em 33

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