Por Nelson Marques
O antropólogo e doutor pela University College London e historiador formado pela USP, Juliano Spyer, passou dezoito meses entre 2013 e 2014 morando em um bairro periférico de Salvador. O objetivo era vivenciar uma realidade completamente diferente para ele e, através dessa pesquisa de campo, colher material para a sua tese de doutorado. Nesse período, Spyer se aproximou de várias famílias evangélicas. Esse convívio despertou no pesquisador o interesse em entender o fenômeno da evangelização da população brasileira: em 1970, os evangélicos eram cerca de 5% da população do país; hoje, um terço dos brasileiros se declaram evangélicos. E, a seguir esse ritmo de crescimento, em mais alguns anos os praticantes das várias vertentes do chamado “protestantismo” serão maioria no nosso país.
Em “Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam”, lançado em 2020 pela Geração Editorial, com apresentação de Caetano Veloso e prefácio do antropólogo Gabriel Feltran, Spyer defende a tese de que “entrar para a igreja evangélica melhora significativamente as condições de vida dos brasileiros mais pobres”.
No livro, Spyer relata a história do protestantismo a partir da Revolução Luterana em 1520 e o desenvolvimento de um sem número de ramificações que surgiram ao longo desses cinco séculos. Hoje, no Brasil, as denominações protestantes com mais adeptos são as pentecostais e neopentecostais, representadas majoritariamente pela Assembleia de Deus e pela Igreja Universal do Reino de Deus.
A partir do contato direto com várias famílias evangélicas, o autor desmistifica a visão preconceituosa que parcela da intelectualidade de esquerda no Brasil tem sobre os evangélicos. Boa parte dessas análises é influenciada pela atuação dos expoentes das igrejas neopentecostais, como os famigerados e reacionários Edir Macedo, Silas Malafaia, Valdomiro Santiago e outros menos famosos. O quê Spyer demonstra em “Povo de Deus” é que, em sua grande maioria, os evangélicos pobres nem sempre tem afinidade politica e/ou ideológica com esses “tubarões” do neopentecostalismo brasileiro. Como exemplos disso, Spyer afirma que “em 2018, um terço dos evangélicos votaram em Haddad” e que em pesquisa de 2019, publicada pela revista Época, 25% dos eleitores evangélicos de Bolsonaro avaliaram a gestão do presidente como ruim ou péssima. Hoje, com certeza, o número de evangélicos que desaprovam o governo Bolsonaro é muito maior.
“Povo de Deus”, de Juliano Spyer, é leitura fundamental para quem quer entender sem preconceitos o fenômeno irreversível da evangelização da população brasileira. E ferramenta importante na missão de trazer para o nosso lado os milhões e milhões de brasileiros evangélicos que, sem nenhuma dúvida, terão um papel fundamental nas eleições de 2022.
Nelson Marques é jornalista, trabalhou em jornais, revistas e com produção de TV. Nos últimos 35 anos, fez campanhas políticas pra vários candidatos e partidos. Sempre votou na esquerda, mas isso não o livra de uma imensa culpa que carrega.