O ódio de Bolsonaro pela família de Rubens Paiva

Da Redação

Reportagem da BCC News Brasil, realizada pela repórter Ingrid Fagundez, publicada no dia 16 de janeiro de 2019, no mês da posse no ex-presidente, revela o motivo do ódio e ressentimento que Jair Bolsonaro possuía em relação à família do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado durante tortura no DOI-Codi do Rio de Janeiro.

Este episódio deu base ao livro escrito pelo filho do deputado, Marcelo Rubens Paiva, o  Ainda Estou Aqui, que originou o filme de mesmo nome, de grande sucesso, exibido atualmente nos cinemas.

A família Paiva tinha terras na cidade de Eldorado, no Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, onde Jair Bolsonaro passou a sua infância, quando o ex-presidente ainda era pobre.

Leia trechos da reportagem:

“Bolsonaro é um grande crítico de Rubens Paiva, ex-deputado federal que fez oposição ao regime militar e desapareceu em 1971. Paiva aparece com frequência nas falas do presidente sobre a ditadura, um dos temas recorrentes em seus discursos.

No plenário da Câmara, Bolsonaro chegou a negar que o deputado tenha morrido durante uma sessão de tortura, como foi atestado pela Comissão Nacional da Verdade, e, ao longo dos anos, fez várias acusações contra ele.

Uma delas é a de que Rubens Paiva ajudou o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca a montar uma guerrilha no Vale do Ribeira, onde fica Eldorado. Não há provas de que essa colaboração tenha acontecido.

“Por coincidência, a família de Rubens Paiva tinha uma fazenda na cidade de Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, São Paulo, chamada Fazenda Caraitá. O sr. Rubens Paiva fez com que o guerrilheiro, traidor e desertor Lamarca ocupasse a sua fazenda e lá fizesse uma base de guerrilha”, disse Bolsonaro em sessão de 2013.

“Bolsonaro e os Paiva

Bolsonaro não parece ter memórias felizes dos Paiva. A biografia Mito ou Verdade: Jair Messias Bolsonaro, escrita por seu filho Flávio Bolsonaro, indica que as diferenças de classe incomodavam o presidente.

No livro, Flávio escreve que “parte considerável do território da cidade de Eldorado Paulista era de domínio particular, uma fazenda enorme chamada Caraitá – que hoje seria um latifúndio”.

Na mesma página, é mencionada a chácara de Rubens Paiva, que aparece como irmão e não como filho de Jaime Paiva – Rubens tinha um irmão chamado Jaime, mas este não era dono da fazenda, como dito na biografia.

Nessa chácara, escreve Flávio, “tinha piscina, algo raro à época, mas que não era socializada com a criançada da vizinhança – que ficava apenas admirando, de longe, onde os filhos da família Paiva se refrescavam”.

Mito ou Verdade ainda narra que os filhos de Rubens Paiva eram da mesma faixa etária de Bolsonaro e, “não raras vezes”, eram vistos comprando picolés Kibon em Eldorado, “inacessíveis à garotada local, que ao ver um deles jogar o palito fora, corria na expectativa de estar premiado com ‘vale um picolé’ marcado na madeira”.

Sobre esse episódio, um dos filhos de Rubens Paiva, Marcelo Rubens Paiva, diz que “não tomava sorvete” e “não tinha irmãos”, mas apenas irmãs.

“Talvez ele me confunda com meus primos”, ele diz. “Quando ele tinha 16 anos, eu tinha 11 e foi a última vez que fui a Eldorado.”

No parágrafo seguinte do livro é citada, de novo, a suposta ligação entre os Paiva e Lamarca que, por sua afinidade com a família, teria escolhido uma área próxima à fazenda para montar a guerrilha. A afirmação foi feita em vários discursos de Bolsonaro na Câmara.

“A verdade está lá em Eldorado Paulista!”, Bolsonaro disse no plenário da Casa em fevereiro de 2013. “Está todo mundo vivo lá. A Fazenda Caraitá está em cartório. A base de renda do Lamarca está lá na fazenda da família Paiva. É muito fácil verificar isso.”

Em visita ao registro de imóveis da cidade, a BBC News Brasil confirmou que a compra e venda da fazenda estão, sim, documentadas. Mas nada indica que os Paiva tenham fornecido recursos a Lamarca. Nem os antigos amigos do presidente, João Evangelista e Antônio Carlos, dizem conhecer essa versão da história.

“Nunca ouvi falar que financiava o Lamarca, não”, disse Antônio quando perguntado sobre o tema”

Apesar de não haver indícios de ajuda financeira, o guerrilheiro chegou a cruzar as terras da família durante sua fuga, em 1970, como escreveu Marcelo Rubens Paiva em texto publicado no jornal Folha de S.Paulo em 1994.

“Meu tio Jaime acenou para ele, pouco antes do tiroteio com a Força Pública de Eldorado (…) O tiroteio foi a metros da fazenda, ao lado da Escola Jaime Paiva. Lamarca atravessou também o sítio 0K, do meu tio Carlos, e seguiu para Sete Barras.”

Depois do tiroteio, conta o escritor, a fazenda foi invadida por soldados que procuravam armas e tentavam estabelecer conexões entre os Paiva e Lamarca. Segundo ele, empregados e amigos da família chegaram a ser presos e torturados, e Carlos levou um tiro no pé acidental em uma das barreiras para cercar Lamarca.

À BBC News Brasil, Marcelo Rubens Paiva disse que a família não tinha nenhuma relação com Lamarca e que seu pai era contra a luta armada.

“Ele não era comunista, mas do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e se elegeu deputado pelo PTB.”

As teorias de Bolsonaro sobre esses dois personagens se estendem até ao desaparecimento de Rubens Paiva.

Ele argumenta que o ex-deputado não foi morto por agentes da repressão, mas por membros da esquerda comandada por Carlos Lamarca.

Segundo Bolsonaro, o grupo de Lamarca teria chegado à conclusão de que ele foi denunciado por Rubens Paiva depois que este foi preso.

“Ninguém resiste à tortura (…). Então, o grupo do Lamarca suspeitou que Rubens Paiva o havia denunciado”, disse Bolsonaro na Câmara em março de 2012.

“E esperaram o momento certo. Quando o Rubens Paiva foi detido pelo Exército, posto em liberdade, com toda a certeza, foi capturado e justiçado pelo bando do Lamarca e pelo bando da Esquerda, da VPR. E aí a culpa recai sobre as Forças Armadas.”

Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade divulgou um documento inédito do Arquivo Nacional sobre as circunstâncias da morte do ex-deputado.

O coordenador da Comissão, Claudio Fonteles, afirmou “não haver dúvidas” de que Paiva fora torturado e morto nas dependências do DOI-Codi do Rio.

Às palavras de Bolsonaro somam-se ações que marcaram sua animosidade contra os Paivas.

Em um relato publicado no Facebook em outubro, o neto de Rubens Paiva, Chico Paiva Avelino, diz que, em 2014, o então parlamentar do PP cuspiu no busto que a Câmara inaugurava em homenagem a seu avô.

No texto, Chico diz que sua mãe e tia faziam discursos emocionados quando foram interrompidas.

“Era Jair Bolsonaro, junto com alguns amigos (talvez fossem os filhos, na época eu não sabia quem eram), que se deu ao trabalho do sair de seu gabinete e vir em nossa direção, gritando que ‘Rubens Paiva teve o que mereceu, comunista desgraçado, vagabundo!’.

Ao passar por nós, deu uma cusparada no busto. Uma cusparada. Em uma homenagem a um colega deputado brutalmente assassinado.”

A BBC News Brasil procurou o Palácio do Planalto para falar sobre o episódio, mas não teve resposta.

O gesto de Bolsonaro não foi noticiado na época, mas jornais reportaram como ele vaiou o discurso do então líder do PSOL na Câmara, deputado Ivan Valente (SP), durante a inauguração do busto.

Após a publicação do texto de Chico no Facebook, Marcelo Rubens Paiva dedicou uma coluna no jornal Estado de S. Paulo a elencar – e responder – as acusações que Bolsonaro fez a seu pai e à família nos últimos vinte anos.

“Como deputado, Jair Bolsonaro costuma proferir desde os anos 1990 na Câmara dos Deputados discursos mentirosos sobre meu pai, Rubens Paiva, um deputado federal como ele”, Marcelo escreveu também em outubro.

“A família Rubens Paiva, além de conviver com a dor morte sob tortura absurda por tantas décadas, ainda tem que aturar o ódio delirante de Bolsonaro (…)”

Os Paiva deixaram Eldorado nos anos 1970 e hoje os Bolsonaro são a família mais abastada da cidade.

Os irmãos do presidente têm uma rede de lojas de móveis e de material de construção presente em mais de dez municípios do Vale do Ribeira.

Título original: Bolsonaro: a infância do presidente entre quilombolas, guerrilheiros e a rica família de Rubens

Leia a reportagem na íntegra publicada na BBC Brasil no link abaixo;

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46845753

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