Construir Resistência
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O dia em que levei o coveiro para ser entrevistado no programa do Jô

Por Simão Zygband

 

 

Entre várias curiosidades na profissão que exerço foi ter sido, há alguns anos atrás, assessor de imprensa do Serviço Funerário de São Paulo. Nem preciso dizer que foi uma das mais pitorescas. Quando revelava o que eu fazia, todo mundo dizia: “esta é moleza, pois morto não reclama” ou ainda perguntavam admirados: “mas faz o que lá? Faz notícias de morto?”, me gozavam.

De fato, até isso se produz no Serviço Funerário, dar notícia de mortos. O setor de Comunicação era responsável por passar o nome do falecido e uma breve qualificação dele para os jornais, tal como idade, profissão, se tinha filhos ou netos etc. Quem vai dizer que nunca leu a coluna de Necrologia de um jornal, nem que fosse para ver se algum conhecido tinha falecido?

Pois bem. Saibam que pode parecer incrível, mas tem muito trabalho na Assessoria de Comunicação do Serviço Funerário. Passaria horas para contar tudo o que tive que produzir de informação relevante para a comunidade naquele setor. Desde pesquisas na vala clandestina no cemitério de Perus, autorização de filmagens e reportagens em cemitérios, publicações internas (para funcionários) e externas (para os munícipes), respostas a todas as demandas de reclamações feitas pelo usuário como furto em túmulos, jazigos, mausoléus, eventuais problemas em enterros, velórios e até no Crematório Municipal. Há uma demanda que nem eu mesmo acreditava que existia. Os mortos, de fato, não dão nenhum trabalho, mas em compensação, os vivos…….!

Mas, também fazia parte das minhas atribuições divulgar as visitas monitoradas ao cemitério da Consolação, o mais antigo da cidade de São Paulo. No seu “acervo” constam obras do escultor Victor Brecheret, Amadeo Zani, Eugenio Prati, entre outros e ainda túmulos de famosos como Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Joaquim Nabuco, só para citar alguns.

Para realizar a visita a tantas curiosidades existentes no cemitério da Consolação, destacou-se um antigo sepultador, um cearense muito atento e dedicado, que conviveu com o precursor das visitas monitoradas ao cemitério, o professor Délio Freire dos Santos, um historiador dedicado ao levantamento das obras de arte existentes no local. O nome dele é Francivaldo Almeida Gomes, o Popó. Délio foi administrador do cemitério e gostava muito do rapaz dedicado, que trabalhava no local na realização de serviços de limpeza, varredura e administração. Popó veio transferido do cemitério São Luiz, onde de fato tinha exercido a função de sepultador (coveiro).

Quando o professor Délio começou a adoecer, Popó o ajudava nas visitas monitoradas e, muito atento e dedicado, foi aprendendo os ensinamentos do velho historiador, além de se aprimorar na biblioteca Mário de Andrade, próxima dali, onde procurava aprofundar informações sobre os temas que ouvia nas explanações aos visitantes realizadas pelo professor.

Délio faleceu em 2002 e Popó, sempre reverenciando a memória do professor, assumiu definitivamente a função de guia do cemitério, Francivaldo passa quase uma hora (não sei se continua ainda hoje) realizando as visitas monitoradas entre as obras tumulares e túmulos e mausoléus famosos, sempre dando as devidas explicações e muita atenção aos visitantes.

Logo de cara travei amizade com o Popó, um sujeito humilde e dedicado às causas do Serviço Funerário. E, como assessor de Imprensa do órgão, foi a maior moleza divulgar o trabalho do Francivaldo. Logo ele ganhou certa notoriedade, com muito destaque nas páginas de jornais e revistas da cidade, como o guia do cemitério (além de muito educado, é extremamente simpático) e até cobertura nas TVs ele ganhou, sobretudo no dia de Finados. Todas as emissoras queriam uma entrevista com ele.

A notoriedade chamou a atenção da produção do programa do Jô Soares e Popó foi então convidado para participar do Jô Onze e Meia. E lá fui eu acompanhar o Francivaldo na TV Globo para ser entrevistado pelo apresentador. Subimos no elevador junto com o Nei Matogrosso, que também seria entrevistado naquela noite.

Não preciso dizer que o programa foi um prato cheio para o Jô Soares. Ninguém como ele sabia tirar as informações mais engraçadas e relevantes do entrevistado. Nada mais pitoresco do que um antigo coveiro, transformado em Guia do Cemitério, cheio de histórias para contar, estar sendo entrevistado por ninguém menos que o Jô Soares. Não preciso dizer que ele soube tirar do Popó tudo o que de mais relevante poderia existir na função de um guia de Cemitério, ou o Guia do Além, obviamente levando às gargalhadas a plateia.

E não é que o coveiro acabou me levando para ver in loco o programa do Jô, coisa que eu nunca tinha visto? Quando acabou a entrevista, que foi muito interessante e engraçada, só se ouviu aquele “Ó” de insatisfação do público que queria que o quadro não terminasse.

Um salve ao brilhante mestre Jô Soares!

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