Margareth Dalcolmo: “Vivemos as consequências da desinformação”

Margareth Dalcolmo

Por Clara Marques – Science Arena

Para pesquisadora da Fiocruz, disseminação de notícias fraudulentas precisa ser combatida inclusive dentro da classe médica

Margareth Dalcolmo

“A comunidade médica deve estar presente em todos os meios de comunicação, informando e dialogando com a população de forma clara e precisa”, diz Margareth Dalcolmo, da Fiocruz | Imagem: Peter Ilicciev/Divulgação

A edição de 2023 da pesquisa “Percepção pública da C&T no Brasil”, realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), revela que a saúde é um dos temas de maior interesse do público, apesar de ser um campo de disputa entre os produtores de desinformação, uma comunicação mediada por algoritmos enviesados por meio das redes sociais e negacionismos vacinais.

Dentre os jovens, oito em cada dez entrevistados na pesquisa dizem que se informam sobre ciência principalmente por Instagram e YouTube. Segundo uma pesquisa realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um terço dos canais em português mais assistidos do YouTube sobre vacinas tinham informações erradas ou desinformação.

A jornalista Sabine Righetti, pesquisadora do Laboratório de Estudo Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, destaca que, no YouTube, parte significativa dos vídeos mais acessados sobre vacinas diz que os imunizantes contêm ingredientes perigosos e defendiam a liberdade de escolha, a promoção de serviços de saúde alternativa e a conspiração de que vacinas causam doenças.

“As pesquisas de percepção da ciência são fundamentais para a definição de políticas públicas na área”, diz Righetti, que é autora, junto com o cientista de dados Estevão Gamba, do livro Negacionismo científico e suas consequências (Edições 70), lançado em abril. “É preciso entender como as pessoas compreendem, se interessam e valorizam a ciência. O que os estudos mostram é que há um ‘descolamento’ gigante entre ciência e sociedade.”

Além de Righetti, o Science Arena também conversou sobre os resultados da pesquisa do CGEE com a médica pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e membro titular da Academia Nacional de Medicina.

Desde o início da pandemia de covid-19, em 2020, Dalcolmo destacou-se pela capacidade de se comunicar com o público por meio da imprensa e explicar, de forma simples e sem rodeios, o impacto do vírus Sars-CoV-2 na saúde das pessoas.

A pesquisadora se tornou uma das principais porta-vozes da ciência ao longo da pandemia e no combate contra movimentos antivacina no país. Nesta entrevista, Dalcolmo comenta sobre os riscos das fake news e como enfrentar a desinformação entre médicos e outros profissionais da saúde.

 

Science Arena – O estudo do CGEE indica que a desconfiança da população brasileira em relação a temas como a vacinas figura com índice elevado (20,9%) em 2023. Esta informação acende algum alerta?

 

Margareth Dalcolmo – É inegável que a saúde tem sido um tema de grande interesse nos últimos anos, tanto para o bem quanto para o mal. No Brasil, vivenciamos fenômenos paradoxais. Historicamente, a população brasileira sempre confiou muito nas vacinas e o próprio Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado há 50 anos, é um exemplo de sucesso por conta da grande aceitação da sociedade civil.

Infelizmente, à custa de uma retórica muito nociva, capitaneada pela última administração do governo federal, somado ao medo de uma doença nova como a covid-19 e à rapidez com que as vacinas foram desenvolvidas, houve um temor e uma resistência vacinal inéditos.

Na verdade, estamos enfrentando as consequências da desinformação e da fabricação de informações falsas sobre as vacinas. Isso é um problema real e inegável.

 

Qual o resultado disso?

 

Esse fenômeno resultou na queda das taxas gerais de vacinação, inclusive contra a gripe. Em 2020, paradoxalmente, tivemos a maior taxa de brasileiros vacinados contra a Influenza, já que o público acreditava que isso poderia protegê-lo da covid-19, o que não é verdade.

Neste ano, vivemos uma situação insólita, da menor taxa de adesão à vacinação contra a gripe. Estão sobrando vacinas e isso se agrava ao fato de que a imunização contra a covid-19 também foi muito baixa. Apenas 55% da população brasileira têm todas as doses completas.

Esse é um número muito pequeno e chama a atenção sobretudo para as vacinas pediátricas, revelando que as famílias foram muito contaminadas por esse discurso, por essa retórica extremamente nociva.

 

Cinco em cada dez brasileiros relataram se deparar frequentemente com notícias que parecem falsas. Na sua opinião, o campo da saúde tem apresentado um crescente aumento na disseminação de fake news?

 

Com certeza. A saúde, muito mais do que a economia, é algo que “pega” as pessoas individualmente. Não há dúvida de que ela tem uma força de persuasão muito grande, porque todos estão interessados na saúde e no bem-estar de sua família, seus filhos, seus pais.

A saúde é algo que toca pessoalmente em cada indivíduo. Não há dúvida de que as fake news se tornaram uma fonte de produção, especialmente na pandemia.

Foi nesse momento que começaram a prosperar sites com conteúdo falso, inclusive, lamentavelmente, com a participação de médicos.

 

Na pesquisa do CGEE, também foi avaliado um conhecimento mais técnico. Por exemplo, saber se antibióticos servem para matar vírus – informação equivocada com a qual mais da metade dos respondentes concordava. Na prática médica, o quanto esse tipo de desconhecimento pode afetar na adesão terapêutica e na confiança nos profissionais da saúde?

 

A disseminação de desinformação, inclusive entre médicos, levou ao uso excessivo de antibióticos durante a pandemia, levando a taxas de resistência antimicrobiana gigantescas. Esse uso muitas vezes não era apenas desnecessário, mas também inadequado, já que a doença em questão era viral, com um componente inflamatório predominante.

Na verdade, o paciente desenvolve uma infecção bacteriana secundária e oportunista, somando-se a um processo viral com grande liberação de substâncias citotóxicas e citocinas inflamatórias.

 

A maioria dos brasileiros disse que nunca ou raramente buscou informações sobre ciência. No entanto, as redes sociais figuram como campeãs no acesso às informações. Você acredita que essa comunicação mediada por algoritmos é um desafio superável? Como a saúde pode ser um segmento protagonista no combate à desinformação?

 

Com certeza. A saúde pode ter um papel de destaque, mas para isso é fundamental a participação de médicos que inspirem confiança na população.

Não podemos deixar de estar presentes, informando a sociedade continuamente.

Na verdade, acredito que cientistas e pesquisadores nunca foram tão requisitados para resgatar essa confiança, que é tradicional em nossa cultura. É crucial manter o rigor, mesmo quando as notícias são negativas, sem causar alarde ou pânico, transmitindo a verdade de forma a não ignorar os temores naturais da sociedade.

 

O que é preciso fazer, a partir dos dados dessa pesquisa nacional, para se preparar antes da próxima pandemia, em termos de percepção pública da ciência?

 

A comunidade médica deve estar presente em todos os meios de comunicação, informando e dialogando com a população de forma clara e precisa, como tem sido feito com os cigarros eletrônicos.

A indústria do tabaco, por exemplo, divulga informações falsas, que ganham a confiança das pessoas, sendo importante que os médicos sejam atuantes e presentes no combate à desinformação. Devemos nos comunicar com rigor e verdade, independentemente de a informação ser boa ou ruim.

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