Imigrantes fora da lei

Por Danilo Angrimani em seu blog

A pessoa não é feliz no país em que nasceu. Falta trabalho ou, quando há trabalho, falta salário no fim do mês. As ruas são palco de quadrilhas violentas. A polícia não garante a segurança dos contribuintes. Nem em casa há tranquilidade. Uma bala perdida acaba achando o corpo da criança, da esposa, do trabalhador, do idoso. No Rio, os morros se transformaram em dezenas de novos Palmares, onde as forças da ordem não entram e, quando entram, são recebidas a bala. Num país assim, com tanta intranquilidade e desassossego, a saída passa pelo aeroporto. As pessoas emigram. Fogem do país violento e dos salários irrisórios, da falta de futuro, para o Eldorado (América, Europa).

O problema é que ninguém mais quer a gente lá. Eles não gostam de nós. Enquanto a gente estiver aqui, consumindo os produtos que eles fabricam, tudo bem. Mas quando a gente quer ir morar perto deles, aprender o idioma e os costumes locais, aí não vai dar. Eles nos algemam e nos expulsam. Somos acorrentados, como os escravos foragidos do século 19; colocados em aviões militares e jogados de volta, onde não deveríamos ter saído.

Durante a Ditadura Militar, não suportava mais viver no Brasil. Era recém-casado e embarquei para a Europa, com passagem só de ida (não faça isso, é a maior bobagem). Queria aprender inglês. Por isso, me matriculei em um curso para estrangeiros. Passado um mês, tinha arrumado emprego em um hotel, como “general help” (fazia de tudo), alugado apartamento e à tarde frequentava a escola, que tinha palestras e atividades também à noite.

Em Brighton, a vida era tranquila. Nunca vou me esquecer do choque cultural ao me deparar com os litros de leite nas portas dos estabelecimentos comerciais. Era bem cedinho. A cidade estava envolta naquela bruma característica e os litros de leite, intocáveis, aguardavam a chegada dos comerciantes. “Ninguém rouba?”, perguntei assombrado para um professor. Ele disse: “Não. Ninguém rouba”.

Enquanto no Brasil, eu andava sempre com medo. Era parado constantemente pela polícia. Revistavam meus bolsos. Perguntavam onde eu ia. Olhavam minha carteira. Em São Paulo, havia sempre uma sensação de que algo ruim iria me acontecer. Em Brighton, era o mar da tranquilidade. Andava anônimo pelas ruas. Nunca me pediram documentos ou fui interpelado pela polícia.

Havia um grupo de pequenos nazistas, os skinheads, que já naquela época detestavam imigrantes e queriam devolver a Inglaterra aos ingleses. Eram adolescentes. Usavam botas Dr. Martens, calças jeans, camisetas brancas e blusa militar, quase sempre com a bandeira inglesa costurada nas costas. Os skinheads gostavam de brigar com os punks e os “mods” (que viviam ainda no tempo do rock’d’roll, com suas lambretas e costeletas). Eles saíam de Londres e vinham se pegar nas pacíficas praias de Brighton.

Havia esse paradoxo: em São Paulo, trabalhava como assessor de imprensa para uma fábrica de motocicletas. Cobria corridas de moto em várias capitais do País. Morava em um apartamento confortável na Aclimação. Tinha acabado de terminar duas faculdades. Frequentava a vida cultural da cidade, indo em teatros, cinemas e lançamentos de livros. Nossa vida era relativamente estável. Mesmo assim, havia um mal-estar predominante. É um País tropical, ensolarado, mesmo assim sentia aquela nuvem cinzenta, ameaçadora sobre mim. Não era feliz.

Em Brighton, como “general help”, indo com a mulher tomar cerveja Brown Ale no pub na sexta-feira; podendo ir ao cinema – vez ou outra (porque era muito caro para nós), mesmo assim, apesar do dinheiro curto, a sensação era de vitória. Era mais feliz na Inglaterra, trabalhando como faz-tudo, do que trabalhando na minha área no Brasil.

É esse paradoxo que move o emigrante. Ele até pode estar empregado, ter uma vida estabilizada, mas quer algo mais, busca a aventura. Por isso, vende tudo que tem em seu país e embarca rumo ao sonho. Não falta, evidentemente, o imigrante que não tem nada, apenas a força de vontade e quer refazer a vida no estrangeiro.

O problema é que, se já era difícil viver na Europa nos anos 1980, imagine agora. São milhares de imigrantes, vindos de Bangladesh, Egito, Costa do Marfim, Tunísia, africanos do Magrebe, que chegam às costas da Itália, em embarcações precárias, que saem geralmente da Líbia. Na América do Norte, cruzando o México, para chegar aos Estados Unidos, são também milhares de cubanos, haitianos, venezuelanos, hondurenhos, mexicanos e brasileiros (é claro).

Quando vivi em Brighton, com visto de permanência legalizado, havia muitos portugueses e portuguesas vivendo ilegalmente na Inglaterra. Eles trabalhavam como braçais, em restaurantes e construções, e volta e meia a polícia capturava um deles e expulsava do país. Lembro de uma amiga nossa, portuguesa, que desapareceu de repente e, mais tarde, soubemos que havia sido deportada. O imigrante tem sempre essa sensação de incerteza, de intranquilidade. Consegue trabalho, adapta-se ao país, faz círculo de novos amigos, mas carrega sempre consigo esse pavor de cair nas malhas dos agentes de imigração. Em Nova York, os latinos chamavam esses policiais de “imigra”.

 

Hoje, a Europa e os Estados Unidos não querem mais saber de imigrantes. Todos os dias, o noticiário fala de barcos que naufragaram, matando pessoas que tentavam chegar ao continente europeu. Nos EUA, o presidente direitista aproveita a maré reacionária e investe contra imigrantes, a exemplo dos europeus de antigamente, que, durante a peste negra, perseguiam judeus, ciganos, leprosos e mendigos, acreditando que esses grupos de marginalizados fossem transmissores da doença.

 

Se tivesse um parente vivendo ilegalmente nos Estados Unidos, aconselharia a retornar ao Brasil. Esquecer o sonho americano. Por pior que esteja a situação no seu país de origem, não vale a pena continuar em um país onde as pessoas não gostam da gente. Eles não nos querem lá. Então, também podemos devolver esse repúdio na mesma moeda. Fazer como os canadenses têm feito. Não consumindo mais produtos americanos. Seria inteligente por parte dos fabricantes brasileiros passarem a colocar bandeiras do Brasil em seus produtos. Não queremos mais consumir bens de quem não gosta da gente. Fomos aliados deles na Segunda Guerra Mundial. Mandamos soldados para lutar lado a lado com eles, contra o nazi-fascismo. E agora, diante desse novo cenário político, chegou o momento da ruptura. Vamos buscar outras paisagens, como diz Ana Carolina.

Danilo Angrimani é jornalista e escritor. Escreveu os livros Nicola, um romance transgénero e Espreme que sai sangue.

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