Por Beatriz Herkenhoff
Na crônica anterior, “Nós, nosso planeta e a sobrevivência de todos”, convidei os leitores do Construir Resistência a se comprometerem com o cuidado com a “Casa Comum” e com todas as criaturas que nela habitam (conversão ecológica). O que escrevi teve como referência, principalmente, a Carta-Encíclica do #PapaFrancisco, #Laudato Sì (2015).
A mesma aprofunda a proposta de uma ecologia integral. Afirma a indissolubilidade das dimensões humanas, sociais e ambientais. A realização de uma educação ambiental que gere mudanças nos hábitos de consumo e de estilos de vida que afetam a capacidade da terra de curar a si mesma. Simultaneamente, sugere que as instituições da sociedade também sejam pressionadas a mudar suas atitudes.
Evidencia que precisamos nos aproximar da natureza e do meio ambiente com abertura para a admiração, a contemplação e o encantamento. Caso contrário, nossas atitudes serão sempre as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais.
Vou dar continuidade a essa proposta, refletindo sobre a Carta-Encíclica do Papa Francisco #Fratelli Tutti (2020), colocando-nos ensinamentos sobre a fraternidade e a amizade social. Vale a pena lê-la!
Somos questionados em profundidade sobre quais os caminhos possíveis para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno. Para o Papa Francisco, “chegou o momento de sonhar com uma única humanidade, na qual todos somos irmãos”.
A encíclica apresenta propostas belíssimas que exigem mudanças radicais. Afirma que somos feitos para o amor. E é a vivência do amor que possibilita construirmos pontes, abrir nosso coração para o cuidado com os mais frágeis e vulneráveis. Superar os preconceitos e os interesses pessoais. Sair de nós mesmos e ir ao encontro do próximo na dinâmica da caridade (no seu sentido mais amplo e profundo) e da comunhão universal.
Citando o poeta #ViníciusdeMoraes, a Fratelli Tutti conceitua a vida como “a arte do encontro”, que se dá especialmente com as periferias do mundo e com os povos originários. Faz um apelo ao milagre da amabilidade, que nos liberta da crueldade e da ansiedade.
Eu nunca havia pensado na ansiedade como um mecanismo de defesa que nos impede de pensar no outro, transformando-nos no centro do mundo. Quando sou dominada pela ansiedade, fico tão preocupada com as minhas questões que me fecho para o sofrimento do outro e não consigo exercitar a arte do encontro. Enfraqueço minha capacidade de amar e contribuir com um mundo melhor.
Que possamos dizer “sim” ao convite do Papa Francisco, buscando formas de viver a fraternidade universal, e, consequentemente, pressionar decisões governamentais que fortaleçam esses caminhos:
Passo a elencar algumas propostas da encíclica Fratelli Tutti que mais me tocaram e sensibilizaram.
• Pensar numa ética internacional. “Os bens territoriais não podem ser negados àqueles que têm necessidades e vêm de outros lugares”;
• Que a dívida externa não comprometa o crescimento e a subsistência dos países mais pobres;
• Acolher, proteger, promover e integrar os imigrantes;
• Para aqueles que fogem de graves crises humanitárias, é preciso incrementar e simplificar a concessão de visto, abrir corredores humanitários, oferecer alojamento, segurança e serviços essenciais, oferecer possibilidade de trabalho e formação. Favorecer a reunificação familiar, proteger as crianças e garantir a liberdade religiosa. Garantir o trabalho para que cada um tenha a possibilidade de desenvolver suas próprias capacidades;
• Eliminar definitivamente o tráfico de seres humanos e a fome;
• Refletir sobre o valor e a promoção da paz; esta é proativa, visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo;
• A paz nos convida ao perdão. Perdão não significa impunidade, mas justiça e memória. Perdão não significa esquecer, mas renunciar ao desejo de vingança. Temos que manter viva a chama da consciência coletiva. Por isso não podemos esquecer os horrores, perseguições e massacres étnicos;
• A guerra representa a negação de todos os direitos;
• Com o dinheiro investido em armamentos, deveria ser criado um Fundo Mundial para acabar de vez com a fome.
No oitavo capítulo, intitulado “Religiões a serviço da fraternidade no mundo”, destaco as seguintes passagens: “O terrorismo não se deve à religião, mas a interpretações erradas de textos religiosos, bem como a políticas de fome, pobreza, injustiça e opressão.”
“Um caminho de paz entre as religiões é, portanto, possível; por isso, é necessário garantir a liberdade religiosa, direito humano fundamental para todos.”
E aqui está o papel da Igreja: ela não relega a sua missão à esfera privada, e, embora não fazendo política [partidária], não renuncia à dimensão política da existência, à atenção ao bem comum e à preocupação pelo desenvolvimento humano integral, segundo os princípios evangélicos. Também “os crentes precisam encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres. Não se trata de nos tornarmos […] volúveis, nem de escondermos as convicções próprias que nos apaixonam, para podermos encontrar-nos com outros que pensam de maneira diferente. […] Com efeito, quanto mais profunda, sólida e rica for uma identidade, mais enriquecerá os outros com a sua contribuição específica”.
Jesus nos convidou a viver uma relação com novas bases: ao invés do ódio, o amor oblativo; no lugar da vingança, o chamado ao perdão a todas e todos, inclusive às pessoas que se consideram nossas inimigas; contra a violência das armas destruidoras da vida, o testemunho do amor, que pode desarmar a crueldade e perversão humanas; no lugar da bajulação aos ricos, o amor preferencial [e radical] aos deserdados da terra.
Neste capítulo da Fratelli Tutti fica clara a preocupação de Francisco em relação a um ecumenismo universal, que possa contribuir para que haja mais paz, fraternidade, justiça e menos destruição da natureza; esta, que garante nossa existência biopsíquica.
Tenho convicção de que o verdadeiro ecumenismo [ou o macroecumenismo] acontece não nas infindáveis querelas teológicas e doutrinais – que sempre dividem os crentes –, mas nas ações concretas e efetivas no âmbito da caridade no seu sentido mais profundo, na perspectiva da libertação dos vilipendiados e deserdados. Concluo afirmando que muitos são os desafios, inúmeras são as tarefas e os comprometimentos. Não podemos nos omitir, permanecer insensíveis a uma realidade de dor e sofrimento para a maioria da população mundial.
Não podemos nos acomodar com as desigualdades sociais como se fossem naturais. É possível buscar a unidade das religiões nas ações humanitárias e libertadoras, tendo em vista objetivos comuns na vivência do amor e da fraternidade universal; no serviço aos mais frágeis e vulneráveis.
Sempre achei que tinha grande capacidade de amar e me colocar a serviço. Mas, após ler a Fratelli Tutti, percebo como o meu amor ainda é frágil e egocentrado. Como ainda direciono meu foco às questões familiares (incluindo amigos e afilhados) e não me abro, muitas vezes, para a vivência de um amor que inclua a nossa Casa Comum e suas criaturas.
Como afirma o Papa Francisco: Que a globalização da indiferença seja substituída pela globalização da solidariedade.
Que questionamentos a Fratelli Tutti trouxe para sua vida?

Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).
Resposta de 0
Bem viver, é a essência da frettelli tutti. Excelente reflexão, Beatriz!
Excelente reflexão !🙏❤️❤️👏🏾👏🏾👏🏾
Gratidão Anita e Rosini, a Fratelli Tutti nos convida a novas posturas diante da vida, Beatriz
Uma boa reflexão temos que compartilhar mais a sim estaremos divulgando literaturas com esse gabarito👏👏🌻
Bravo!!! 👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
Beatriz, siga nos presenteando com seus artigos.