Descobri que a gente não sabe nada

Por Eliza Schinner 

A gente não sabe de nada. Ninguém sabe. Não tem livro de História suficiente pra fazer alguém entender a diversidade do mundo.

Nestes últimos 4 anos viajando, comecei a descobrir como sou burra, mesmo tendo tido a capacidade de passar para uma faculdade de Medicina pública no Brasil, o que é entendido como um fator de inteligência, que eu encaro mais como um privilégio, já que tive a oportunidade de estudar.

Quanto mais você viaja, mais você observa que cada movimento do nosso corpo e da nossa mente é uma grande construção completamente cultural; tudo que a gente faz é influenciado pelos nossos arredores. Tudo!

Em cada país, a maneira de se comportar no supermercado é diferente; a roupa que você usa pra ir à praia é diferente; a reação das pessoas a um arroto é diferente; o comportamento do motorista de táxi, o valor que se dá aos professores (talvez nenhum país seja pior do que o Brasil nesse quesito), as danças, as religiões, a maneira como os homens olham ou não se permitem olhar para as mulheres, falar bom dia ou boa noite, a maneira de botar a comida em uma mesa, a maneira de comer (com talher, com a mão),

TUDO é diferente. E a gente não conhece nada. Mesmo viajando o mundo inteiro, você nunca vai ter tempo de entender toda a diversidade do mundo.

Passei a vida toda sendo influenciada pelo que via nos jornais, livros e TV. A mídia de cada país retrata o que melhor lhe convém.

A gente, no Brasil, fica achando, por exemplo, que o Oriente Médio é pavoroso, pura guerra, puro radicalismo religioso. Achamos patético as mulheres andarem de burka, pensamos que as paisagens são horrorosas, que toda terra deles tem “cor de burro quando foge”, pois é assim que aparecem para nós todas as notícias de lá.

Para os norte-americanos – uma nação que, em sua maioria, definitivamente se recusa a estudar ou respeitar a História – todo mundo do Oriente Médio é terrorista.

Quando eu morava no Brasil, eu ouvia falar de Sérvia & Montenegro, países dos balcãs, por exemplo, e pensava: credo, menor questão de um dia visitar esses lugares de guerra horrorosos.

Hoje, sou fã desses países. Inclusive, acho Montenegro um dos países mais lindos do mundo.

Pois estive lá, como mulher sozinha, e fui muito feliz. Gostei tanto que já voltei 3 vezes. Descobri que as pessoas de lá são extremamente acolhedoras, e mesmo sendo católicas ortodoxas, me respeitavam como uma brasileira lésbica tatuada.

Descobri que Montenegro tinha praias paradisíacas, cassinos onde você entra com 5 euros e pode beber e comer a noite inteira curtindo a vista pro mar, pubs de rock, festa com música brasileira.

Sim! Você nunca vai saber como um lugar realmente é se você nunca for lá. Não tem vídeo no Youtube que passe toda a grandeza, beleza, cultura e os problemas de um país.

Agora que estou fazendo um curso de alemão intensivo, chamado “Integrationskurs”, com pessoas lindas da Síria, Rússia, Ucrânia, Irã, Iraque, Arábia Saudita, Afeganistão, Burkina Faso, Índia e Nigéria, tenho aprendido como sou burra.

E espero descobrir que sou mais burra a cada dia, surpreendendo-me com as histórias incríveis dessas pessoas.

Minhas colegas de classe da Síria, por exemplo, usam o hijab porque elas AMAM. Elas se sentem muito bonitas com seus hojabs, e a cada dia usam um diferente. Inclusive, eu mal sabia a diferença de burqa pra hijab, e muito menos sabia que burqa pode-se escrever com q.

Pois a gente jura que sabe tudo do mundo, e que pode dar opinião, mas repito: não sabemos de NADA.

Algumas pessoas de minha sala do curso estão na Alemanha fugindo das guerras em seus países, outras estão ali pois conheceram um amor na Alemanha, outras porque encontraram oportunidades boas de trabalho ou de estudo.

E todos temos uma coisa legal em comum: a coragem e atitude de aprender uma nova língua, uma nova cultura.

No meu caso, estou ali porque quero, já que sou alemã por nacionalidade. Mas muitos estão ali pois precisam do certificado do alemão para recomeçarem suas vidas em um novo país. Sou fã de cada um, e estou muito feliz em descobrir como não sei nada sobre nada.

Estas fotos bonitas do post são apenas uma mostra de como a gente não sabe de nada. Se você achou que eram Grécia e Alpes Suíços, saiba que são, respectivamente, Síria (Wadi Qandil) e Afeganistão (Ghurmach).

Enquanto a gente não tiver tempo de viajar o mundo inteiro, e morar pelo menos 6 meses em cada cidade do mundo, será melhor começarmos a repensar nossos preconceitos, e nossas inúteis opiniões sobre o NADA que sabemos.

 

Eliza Schinner é baixista brasileira morando na Alemanha

 

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