Por Luis Otavio Barreto
Paulo Gustavo poderia ter morrido de outra coisa, afinal, morrer é tão natural quanto viver, mas morreu de #COVID-19. Eu tenho um entendimento particular sobre a morte e sobre o momento de morrer e não vou falar sobre isso. Vou falar sobre como a morte de Paulo se torna um evento institucional.
Perdemos, desde o início da pandemia, 412 mil pessoas; gente de tudo que é jeito, o que nos revela que a peste é democrática. Um morador de rua morto por #COVID-19, sem ar, enterrado numa vala, não se diferencia do Paulo, um ator bem sucedido, com recursos que a maioria de nós nem mesmo sabíamos os nomes ou que existissem, como ECMO, por exemplo.
Paulo tinha um marido médico, esteve assistido num dos melhores hospitais do Rio de Janeiro, com uma junta médica extraordinária, tudo custeado pelo dinheiro que foi fruto de seu trabalho. Outros milhares foram cuidados de maneira digna, competente, humana e, muito provavelmente, às raias da exaustão dos médicos e enfermeiros, custeados pelos #SUS. Aliás, um salve cheio de orgulho para o SUS! Milhares se recuperaram. Milhares, assim como Paulo, não. Agora são somente lembranças. A despeito dos sonhos, dos projetos, das interrupções, o destino de cada um foi cumprido de acordo com o que lhes fora reservado pela sorte.
A morte de Paulo Gustavo se torna um evento institucional a partir do momento que dá fim a um dos atores mais consagrados e aclamados desse tempo. Um homem mais famoso que Mazzaropi, Dercy Gonçalves ou, até mesmo, Chico Anysio. E cabe dizer que não estamos fazendo termo de comparação entre as competências de cada um ou até mesmo do tempo em que viveram, talvez nem caiba tal comparação, mas ela serve para trazer luz sobre um fato incrível: Paulo era conhecido, e querido, por criancinhas, jovens, adultos e velhos! Era conhecido internacionalmente, a ponto da própria Beyonce homenageá-lo nas redes. Alcançou uma bilheteria recorde, com o hilário e emocionante “Minha Mãe é uma Peça”.
Talvez muitos de vocês não entendam o tamanho do fenômeno revolucionário que foi um homem assumidamente gay, travestido de mulher, encarnar uma mãe – UMA FIGURA SAGRADA no pensamento coletivo – levar para dentro do cinema, milhares de pessoas e, posteriormente, para dentro das casas, através da tv, a ousadia de atuar num país homofóbico e ululante do próprio preconceito.
Paulo, portanto, conseguiu unir em volta de si e de sua atuação, a atenção de todos. Fãs ou não, o cara conseguiu despertar a atenção e o interesse de muita gente. Interesse que se redobrou desde o 13 de março último.
Com a morte de Paulo, aliás, evento com requintes de agonia e sofrimento para a família, amigos e fãs, coisa muito triste mesmo, a imagem que passamos para o mundo, é de que o Brasil está tão fracassado, tão afundado dentro da peste, que nem mesmo, com os recursos mais sofisticados, com toda assistência possível, se é capaz de escapar da contaminação e, eventualmente, da morte.
A morte do Paulo foi a sorte que lhe competiu. Mas isto esfrega em nossas caras, mais uma vez, o quão ferrados estamos e como nossas escolhas interferem em milhares de destinos. Paulo morreu porque tinha de morrer, mas não se pode eximir da culpa todos aqueles que contribuíram para que a doença se espalhasse, sofresse mutações e que continuasse seu propósito; matar. Todos estes, sem exceção, tem seu quinhão na morte dessas 412 mil pessoas e todos podem ser representados pela política genocida, de omissão, de caos, de contribuição mortal, de pouco caso e de assassínio de Jair Messias Bolsonaro, a quem atribuo a responsabilidade pelo cenário caótico e fúnebre do Brasil. Bolsonaro deve ser reconhecido, com mérito, como grande incentivador e colaborador da morte. Cada um dos 412 mil atestados de óbito levam seu nome no ‘causa mortis’ e os futuros haverão de levar, até o dia o glorioso dia de sua tão esperada e desejada queda. Maldito seja.
Luis Otavio Barreto é músico pianista e professor de Língua Portuguesa no Rio de Janeiro.
Nota da Editora
Deixamos de colocar a foto de nosso combatentx Luis Otávio Barroso nesta publicação para homenagear o grande ator Paulo Gustavo, falecido ontem aos 42 anos vítima da #covid-19.
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A estupidez e crueldade do genocídio bolsonariano da azo a essa bela e pungente crônica. Ironia triste!