Por Aline Pereyra
Depressão não é frescura. É doença e precisa de diagnóstico, tratamento e remédios.
bidu é como eu chamo a minha depressão (dei um nome a ela a fim de tentar dimensionar seu tamanho, tentar trazê-la para a realidade, “humanizar” esse monstro).
Já na primeira visita ela mostrou a que veio, chegou chutando a porta e me cobriu de porrada, me jogou no chão, pisou no meu pescoço e me fez sentir uma DOR que não tem parâmetro nenhum em nada que eu tenha lido, ouvido ou visto na vida…eu só pensava em morrer pra cessar tanta dor.
Mas a bidu tinha outros planos mais cruéis. Não basta perder tudo, é preciso roubar sua essência, te humilhar, acabar com a sua dignidade.
Durante 14 dias ela me manteve em cárcere incomunicável e me torturando.
Por sorte, meus amigos perceberam que havia algo errado, vieram me ver (a bidu fazia eu me arrumar e agir de forma quase normal), mas ela extrapolou com as alucinações.
Eu contava às pessoas que minha mãe estava aparecendo junto com nossa amiga Eliana, bem ali, do outro lado da sacada do vigésimo quinto andar, e elas estavam me chamando: eu tinha que pular!
Eu até já tinha bolado um plano junto com a bidu (ela não tinha esse nome ainda, aliás, ninguém sabia o que eu tinha).
O plano consistia em colocar o vestido mais bonito da minha mãe, me arrumar bem bonita e pular! Aí todo o sofrimento e a DOR terminariam. Minha mãe estava me chamando e eu tinha que ir o quanto antes.
Diante disso a minha amiga @sandrasimplicio.psi me encaminhou para a @lararibeiro.psi, uma jovem psicóloga comportamental, que logo na primeira consulta, aos 17 dias com a bidu no meu cangote, me encaminhou direto para o psiquiatra.
Depressão não é frescura. É doença e precisa de diagnóstico, tratamento e remédios.
Eu convivo há mais de 3 anos com a bidu. Jamais perdi nenhuma sessão com a Lara e sigo rigoroso tratamento com o Dr Augusto Ribeiro.
A boa notícia é que os remédios realmente ajudam no tratamento.
A má notícia é que alguns medicamentos demoram alguns meses para fazer efeito, e acertar a dosagem é complicado.
Depressão é doença grave e potencialmente fatal. Mas morrer não é a pior parte, o problema são os sintomas dessa inflamação no cérebro, coisas que ninguém conta, até porque não consegue.
Os sintomas incluem desmaios e amnésia… é uma porcaria cair na rua de madrugada e estraçalhar o celular, e os amigos terem que andar te procurando em alguma sarjeta do caminho pra te levar pra casa, muitas vezes com escolta policial.
É uma porcaria deslocar amigos de madrugada lá de Osasco ou do Jardim Ângela pra ver se está tudo bem porque a bidu tá te massacrando. É uma droga acordar no dia seguinte toda machucada e não lembrar absolutamente nada do que aconteceu.
A bidu tinha o estranho capricho de me fazer ter um lampejo de ânimo e me arrumar pra sair, só que na hora de abrir a porta…algo pavoroso acontece.
Tremedeira, suor, embrulho no estômago, vômito, diarréia até sangrar! Crise de pânico e uma dor tão forte! Dói, dói, dói mais e então ela te paralisa, você começa a cair, o sistema nervoso central te tomba completamente (com remédio e tudo). Se tentar sair é muito pior, vai cair na rua e não vai lembrar de nada…
Precisei de vigilância 24h durante meses!
Me sentia burra, incapaz…
Antes da bidu colar no rolê eu era ligada no 220V, era telúrica, era um vulcão em constante erupção de ideias e criatividade.
Estava vivendo um platô de estabilidade na vida que escolhi levar (bem animada por sinal). A bidu me ferrou.
Aí entram os porquinhos-da-india que ganhamos de presente de um deprimido que sabia o poder destes animais no processo de amenizar a depressão.
Os cuys (como são chamados em espanhol) vivem em duplas do mesmo sexo. E chegaram um mês depois da bidu.
Cuys Che e Fidel foram meus tutores durante três anos, e ainda estariam comigo se eu não tivesse doado por motivos alheios à minha vontade.
Um dos remédios mais eficazes no meu tratamento foi o lítio. Ele mudou minha vida! Eu amo o lítio e o Rivotril.
Hoje já sinto que estou quase 65% do que eu era.
Os cuys Che e Fidel ficaram segurando a barra enquanto eu estava atracada com a bidu, guardando pra mim um pouco do que eu era. Foram guardiões da minha memória, da minha alegria, da minha criatividade. E tudo que eu achava que eles eram, era eu refletida neles.
Não sei se depressão tem cura, mas sei que tem tratamento.
Espero que esse depoimento ajude sobretudo os cuidadores de quem sente essa dor horrível, essa doença horrível.
Nem vou falar sobre a fase da euforia porque ainda há divergências entre mim e meu psiquiatra. Quando ele me viu animada pela primeira vez em três anos, me deu um sossega-leão porque achou que eu tinha entrado no perigoso processo de euforia, mas em uma semana voltei no consultório e expliquei que antes da bidu me sequestrar eu era dez vezes mais animada do que me sinto agora com o lítio.
Falei que as coisas que contei a ele eram verdade e não inventadas, e que eu não vou sair por aí nua dizendo que sou Napoleão e gastando 3 mil reais numa balada (o estado de euforia é até mais perigoso que o bode da depressão, aliás foi daí que surgiu o nome da bidu, trocando as vogais da palavra bode).
O saldo das visitas da bidu foram anemia, infecção, perdi 4 dentes, rompi ligamentos dos dedos, pré-diabetes, úlcera duodenal, hemorróidas, tireóide bagunçada, bactérias não tratadas…várias idas ao hospital por coração quase parando de bater…
Várias tentativas de suicídio que os porquinhos-da-india acabaram impedindo…
“Emburreci”, não conseguia nem escrever, nem trabalhar, às vezes nem levantar pra tomar banho…fiquei totalmente incapacitada.
Nem sei como meus cuidadores aguentaram, eu fiquei chata bagarai. E nem sei como retribuir tanto cuidado que recebi.
E hoje, quando a bidu aparece, eu a chamo pra dançar. “Ah, não vamos sair? Tudo bem! Ficamos em casa então. Fica à vontade, não tenha pressa”.
O segredo é sempre lembrar que a depressão explode um míssel hipersonico dentro de você, mas passa, tenha saco, tome a medicação que sempre parece que não acaba nunca, mas acaba.
Aí é ir fazendo uma coisa de cada vez, sem pressa, até a próxima visita indesejada. Mas quem nunca teve uma visita indesejada?
Aline Pereyra é historiadora diletante e peripatética formada pela PUC-SP e colabora nas redes sociais do ECLA – Espaço Cultural Latino Americano.
Respostas de 9
Que depoimento, Aline Pereyra…
Não é “frescura” mesmo… é um estado geral incapacitante, pesado e cheio de sofrimento… que consiga negociar mais e melhor com o “bidu”, se ele persistir em te visitar. Abraço.
Obrigado, Cynthia
Obrigada pela solidariedade 🤗
Que relato corajoso e bonito! Parabéns, Aline!!!!! Você é mais forte que a bidu!
Te amo tanto. Obrigada por existir! ❤️
“você também é bailarina?” (Lembra do cuy Fidel puxando papo? 😄 Espero que ele tenha conseguido entrar no Moulain Rouge rsrs).
Parabéns pela coragem de falar sobre sua Bidu. Seu depoimento é forte e impactante, serve de alento para tantas outras pessoas que também passam por isso.
Espero ajudar Sandrinha! Obrigada por ter agido rápido e me encaminhado pro tratamento.
Gratidão eterna! 💗
Te amo
Você vencerá a bidu Aline. Vai ser uma questão de tempo porque você é mais forte do que a bidu.
Te amo, Jesus. Obrigada pela paciência e acolhimento comigo e os bichinhos. Eles te amam.