A rataria dos anos Bolsonaro

Por Marina Ruivo

Haroldo Ceravolo Sereza estreia na poesia e nos brinda com um bestiário contemporâneo e bastante brasileiro. Temos aqui cobras, jararacas, baratas, cupins, mas também borboletas, cavalos, guarás, tubarões, macacos, tordos, besouros, jumentos (lúbricos – e o qualificativo é fundamental), mariposas, pirilampos e até o bicho da goiaba, dentre uma série de animais de que, muitas vezes, nem nos lembramos que existem. Só essas escolhas já são surpreendentes e, por isso, intrigam e atraem.

Bebendo nas raízes deste gênero medieval que é o bestiário, o autor estabelece múltiplos diálogos com o universo religioso, sobretudo bíblico, o que se manifesta já no primeiro poema, que nos leva às pragas que Jeová lança sobre o Egito, no Livro do Êxodo: “Uma nuvem de gafanhotos/ Assume o governo do Egito/ Coaxam os sapos do Nilo”.

E evidentemente não estamos falando da fuga dos hebreus do cativeiro, pois a chave do livro, como o seu título e subtítulo indicam, é a alegoria satírica (e os bestiários, aliás, são alegóricos por natureza). O segundo poema explicita: “Baratas chegam a Brasília/ passeiam pelas avenidas/ encontram a cidade vazia/ abrindo novas feridas// As baratas estão gordas / suarentas e fedidas/ são muitas e não temem/ os velhos inseticidas”.

E se o coaxar dos sapos já havia nos levado a pensar nos famosos sapos de Bandeira, o poema não deixa dúvidas para este outro aspecto que caracteriza esta Rataria: o diálogo com versos e textos bastante conhecidos da literatura, em especial da brasileira, em uma intertextualidade atualíssima: “As baratas que ora gorjeiam/jamais saberão gorjear”.

Lançamento: Terça-feira (28), 18h30, na livraria Alameda – rua Treze de maio, 363 – Bixiga/SP

Os poemas de Haroldo falam de nosso passado tão recente, iluminando-nos diversos de seus aspectos e inter-relações, e fascinam pelas muitas camadas de sentido que o poeta extrai de cada uma de suas palavras, tão exatas.

Ler Rataria: 64 poemas para Gorilas de Bolso é uma experiência que surpreende e nos faz, inevitavelmente, rir – e desde sua dedicatória inusitada, aliás.

Haroldo, ao nos dar a conhecer mais uma de suas diversas atuações (jornalista, editor, crítico literário), consegue ainda nos provar que, sim, é possível tirar leite mesmo das pedras mais terríveis da nossa realidade. E um leite fecundo, muito fecundo. Rataria é uma delícia de livro!

Marina Ruivo, historiadora e poeta, autora de Leite de Mulher (Patuá, 2021).

 

Para adquirir em pré-venda

https://www.alamedaeditorial.com.br/poesia/rataria-haroldo-ceravolo-sereza

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