Por Ademir Assunção
Quando disse aos editores da Revista dos Bancários, para a qual eu estava freelando na época, que iria a Porto Alegre e tentaria entrevistar Luis Fernando Veríssimo, eles me olharam com uma risadinha de canto de boca.
“Avesso a entrevistas, lacônico demais, tímido ao extremo, quase não fala” — era o que todos diziam.
Porém, quando liguei para sua casa e disse para sua esposa Lúcia que queria entrevistá-lo para uma revista sindical, depois de um breve silêncio (em que o consultou), ela voltou ao telefone e disse:
“tudo bem, você quer vir aqui amanhã?”
Na manhã seguinte eu tocava a campainha de sua casa, no bairro Petrópolis.
Fazia um frio de rachar na capital gaúcha.
Tímido e silencioso, ele me recebeu com extrema gentileza.
Sua esposa Lúcia nos ofereceu chá (de cidreira, se não me engano).
Conversamos por mais de uma hora e meia.
Ao final, me convidou para ouvir sua banda Jazz 6 no café da Casa de Cultura Mário Quintana, na noite seguinte.
Ele tocava saxofone.
E não fazia feio.
Além da gentileza, me impressionou muito sua modéstia, quase zen.
“Não acho que o que escrevo tenha algum valor literário. Não pretende ter. O que pretendo é ser lido, ser entendido, ser claro e, de alguma maneira, ser uma leitura atraente. Mas não tenho uma coisa muito profunda, muito rebuscada. Não é falsa modéstia, não. É o que eu penso mesmo” – disse, em dado momento da conversa.
Abismado com sua declaração, perguntei-lhe: “Você não tem essa ambição de ser reconhecido como escritor?”
A resposta foi lacônica: “Não, não. E isso na verdade não depende da gente. Toda a avaliação que a pessoa faz de si mesma é uma avaliação viciada. Todo mundo se admira e se ama. Mas essa avaliação é uma preocupação que a gente não deve ter. Quem a faz são os outros. Tem que ser realista e saber que o que a gente pensa não tem tanta importância”.
Durante muitos anos mantive seu número de telefone em uma velha agenda – hoje perdida em alguma gaveta. O que jamais perdi foi a certeza de ter conversado com um dos maiores escritores brasileiros – e um dos homens mais gentis que conheci em toda a minha vida.
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A entrevista foi realizada no inverno de 1999. Saiu na Revista dos Bancários nº 47, inicialmente. Depois a republiquei no livro “Faróis no Caos” (Sesc Edições, 2012).
Ademir Assunção é poeta, jornalista, escritor, cantor.
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