Por Moacyr Oliveira
Foto: Salomon Cytrynowicz/Abril Press
Ontem (15) fez 10 anos que morreu, em Brasília, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores símbolos da tortura no Brasil. Morreu impune. Sem pagar pelos crimes que cometeu durante a ditadura militar.
Entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandou, com mãos de ferro, o DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, onde era conhecido como Doutor Tibiriçá. No período em que esteve à frente do órgão, 43 pessoas foram assassinadas por ação direta dos agentes daquele centro de repressão, na tortura ou em operações de rua.
Em 2008, Ustra se tornou o primeiro militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça. O Tribunal de Justiça de São Paulo deu ganho de causa à Ação Declaratória da família Teles, que o acusava do sequestro e da tortura de César, Maria Amélia, Criméia, Janaína e Edson Teles, estes últimos com apenas 5 e 4 anos respectivamente. A ação teve como objetivo que o Estado brasileiro declarasse oficialmente que Ustra foi um torturador. A defesa de Ustra apresentou recurso, negado pela Justiça em agosto 2012. Em junho de 2012, o coronel reformado também foi condenado a indenizar por danos morais a companheira e a irmã de Luiz Eduardo Merlino, morto nas dependências do DOI-Codi em 1971
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O papel central desempenhado por Ustra na repressão a opositores da ditadura veio à tona em agosto de 1985, quando a então deputada Bete Mendes, o reconheceu no Uruguai, onde ocupava o posto de adido militar do governo José Sarney. Bete Mendes solicitou sua exoneração, que foi negada. Em resposta, o ex-chefe do DOI-Codi lançou, no ano seguinte, o livro Rompendo o silêncio, sobre sua passagem pelo órgão. Mais tarde, em 2006, publicou A verdade sufocada.
Quando Beth Mendes reconheceu Ustra como adido militar na embaixada do Brasil no Uruguai, escrevi um artigo, intitulado Brinquedo Macabro, na Última Hora de Brasília, revelando, pela primeira vez, que Ustra levava sua esposa, dona Joseíta, e sua filha Patrícia, então com 3 anos, para o DOI-Codi e que, às vezes, a pequena Patrícia ficava brincando no pátio ou até mesmo na cela das mulheres – o X 6.
Tanto Ustra, quanto Joseíta, confirmaram a informação, dizendo que essas visitas faziam parte de um “trabalho assistencial” com as presas. Na verdade, a presença de Joseíta e da pequena Patrícia no DOI-Codi era uma forma de tortura psicológica. Joseíta usava essa proximidade com as presas para tentar fazer com que elas colaborassem com a repressão e falassem. Ustra usou a esposa e a filha como um instrumento de tortura psicológica.
Dona Joseíta não era só a esposa de Ustra. Ela era, na verdade, uma peça da engrenagem do DOI-Codi, com tarefas muito bem definidas, como a de se aproximar das presas, na tentativa de ganhar a confiança delas e tentar fazer com que elas colaborassem com a repressão. Era o tal “trabalho assistencial” dela. Mais do que isso, Joseíta foi peça fundamental na coleta de documentos e informações para o livro de Ustra – A Verdade Sufocada e manteve uma página no Facebook para divulgar o livro. Além disso, Joseíta tinha muita influência sobre Ustra. Quando ele foi para a reserva, ela interrompia, interferia e até mesmo corrigia ou controlava suas respostas nas raras entrevistas que deu, na sua casa no Lago Norte, em Brasília.
Em 1981, ao cobrir uma solenidade de troca de comando no QG do Exército, em Brasília, para a revista Veja, reconheci o coronel Ustra, que servia no Estado Maior do Exército, e pedi que o repórter fotográfico Salomon Cytrynowicz, o Samuca, o fotografasse. Semanas depois, a foto do Ustra foi publicada num box, na página 27 da edição nº 665, da Veja, de 3 de junho de 1981, numa matéria sobre a comunidade de informações. Essa foi a primeira foto do famoso torturador publicada na imprensa brasileira.
Em 11 de julho de 1987, a Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte iria votar o texto final do capítulo referente à questão agrária. A poderosa União Democrática Ruralista (UDR), então liderada pelo fazendeiro e latifundiário goiano Ronaldo Caiado, hoje governador de Goiás, havia programado uma grande manifestação na Esplanada dos Ministérios para pressionar os parlamentares a não votarem um texto que permitisse a desapropriação para fins de reforma agrária das terras que não cumprissem a chamada função social.

Então assessor da Constituinte, fui para a porta do Congresso para ver a passeata. Assim que cheguei na calçada percebi que na minha frente estava o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ainda na ativa, então lotado no Estado-Maior das Forças Armadas, em Brasília. A passeata passava e Ustra aplaudia e ia se empolgando. De repente, sem conter a empolgação, ele entra na passeata e segue em frente, marchando com os ruralistas.
Alertei o fotógrafo Kim-Ir-Sen Pires Leal, da Agência Agil Fotojornalismo, que fez a foto de Ustra no meio da passeata, em frente ao Ministério das Minas e Energia. A foto foi publicada na página 5 da edição do Jornal do Brasil do dia 12 de julho de 1987.
Por conta da matéria, Ustra cumpriu uns dias de cadeia, por transgressão ao RDE – Regulamento Disciplinar do Exército, que não permite manifestações políticas de oficiais na ativa, e logo depois passou para a reserva.
Anos mais tarde, lembrando o episódio, Ricardo Noblat, que era o chefe da sucursal do JB em Brasília, brincou: “Quer dizer que nós já prendemos o Ustra”.
Moacyr Oliveira é jornalista