Justo agora, com tanto trabalho para Gastão, o vomitador vai -se embora Jaguar, o seu criador.
Último moicano do Pasquim, jornal que ajudou a fundar e cujo símbolo, o ratinho Sig, ele também criou ( assim como outros personagens impagáveis como Boris, o homem tronco) vai deixar uma lacuna ainda maior nesses tempos tediosos de politicamente correto e uma mídia infestada de chatos que se levam à sério à esquerda e à direita.
Vai lá Jaguar fazer rir em outras esferas!
Ricardo Soares – São Paulo
No boteco com o Jaguar
Quando comecei a colaborar no Pasquim, morava em São Paulo.
Às vezes ia ao Rio de Janeiro e dava uma chegada na redação do jornal.
Na primeira vez, achava que ia encontrar uma gandaia lá, mas não: cada um ocupando uma mesa com uma máquina de escrever, todo mundo quieto, parecia, pra mim, um escritório de contabilidade… mas com uma exceção: o Jaguar, com seu jeito anarquista, bebericando alguma coisa e sem exibir seriedade.
Quando mudei pro Rio, fui morar inicialmente no bairro do Leme.
Na esquina da rua em que morava, tinha um botecão onde eu ia de vez em quando, de pé, encostado no balcão.
Às vezes encontrava lá o Jaguar, acompanhado da namorada da época, uma negra alta e bonita.
Eu bebia um underberg pra “começar os serviços”, e o Jaguar também bebia undeberg, mas como saideira…
Ah… nesse bar eu o cumprimentava de longe, e só. Não ia ficar atrapalhando o papo dele com a namorada – e nem ele permitiria, né?
Mouzar Benedito – São Paulo
O maior desenhista que não sabia desenhar do mundo
Perdemos Jaguar. Perdemos Sérgio Magalhães Gomes Jaguaribe, um daqueles gênios que aparecem muito de vez em quando na vida cultural. Jaguar foi o cartunista – juntamente com Ziraldo – que mais profundamente captou a alma brasileira nas artes gráficas. Elevou a bobagem à categoria de grande arte, levou ao ridículo generais e altos burgueses no golpe de 1964, destroçou mentiras da grande mídia e retratou os prejudicados pela nossa desigualdade como nenhum outro.
Nada escapava do artista que desenhava certo por linhas para lá de tortas. Um dia alguém escreverá uma tese sobre “o universo jaguariano”, que incluirá o mundo de pobreza e violência dos subúrbios, os comezinhos detalhes do cotidianto, como impagáveis aposentados de chinelos de dedos e meias, peladas com bola de capotão, padres de rala piedade, bobesem cabelos de madames, nada escapava a um traço desconjuntado e detalhista de um artista de olho apuradíssimo.
Suas ilustrações para todos os livros de Stanislaw Ponte Preta mostraram ao mundo as verdadeiras caras de Rosamundo, Primo Altamirando e Tia Zulmira. Foi tão agudo que cada vez mais acho que Stanislaw só escrevia depois de Jaguar criar graficamente a ambientação de cada crônica. raras vezes a simbiose entre escrita e traço foi tão sublime.
E havia o Jaguar da porradaria pura. A melhor definição da babação de ovo de Arnaldo Jabor para os poderosos é a jaguariana: “Ele é um rebelde a favor”. Alugou um fardão da Academia Brasileira de Letras e muniu-se de uma caixa de ovos para recepcionar o entreguista-mor Roberto Campos (Bob Fields) em 1999, em sua posse como imortal. Desencontraram-se para infelicidade de nosso herói.
Jaguar foi, com Tarso de Castro, um dos criadores do Pasquim, com a equipe que incluia gigantes como Ziraldo, Millôr, Claudius, Ivan Lessa e Henfil. Deu à luz a Sig (Sigmund Freud), ratinho verde com patas de elefante, mascote infernal do semanário que capitaneou por 22 anos, até o naufrágio, em 1991.
Realizei uma longa entrevista com Jaguar para a revista Atenção!, em 1997. Na verdade, fui à sua casa, em Copacabana, no meio da manhã e acompanhei (mal) um footing etílico pelo bairro até o cair da noite. Saí trançando as pernas e com dificuldades para reunir cacos de gravações feitos ao longo do dia. Parei na quinta ou sexta dose de não me lembro mais o quê, enquanto o mais ilustre dos Jaguaribe reinava impávido, com seu motor a alcool.
Jaguar nunca se filiou a partido algum, era um carioca (nascido em Santos) de rara cordialidade, que virava um vulcão diante de bobagens e injustiças. Seguia a linha de que vida intelectual se funde com inconformismo sempre. Uma vez, Millôr o definiu como uma combinação de “gênio e idiota”. Quase foi para a briga: “Chamar de idiota, tudo bem, mas de gênio, jamais! Detesto ironia”.
Foi-se aos 93. Ou aos 23, como gostava de proclamar. Nascido aos 29 de fevereiro do bissexto anos de 1932, garantia só comemorar aniversário a cada 4 anos. Estava mais do que certo.
Adeus meu camarada. Sua falta abre um déficit incomensurável na vida brasileira.
Gilberto Maringoni – São Paulo
Passar o bastão
Mais um que ajudou a fazer a cabeça da minha geração vai embora. Aos poucos, a gente vai ficando um pouquinho mais sozinho e com mais responsabilidade para passar o bastão adiante.
Salve, grande Jaguar!
Jacques Gruman – Rio de Janeiro