O Bacurau de Saravejo

Por Júlio Benchimol Pinto 

“Sarajevo não é passado. É aviso. Aviso de que a violência, quando vira espetáculo, sempre encontra plateia pagante”

O “Bacurau de Sarajevo” não é cinema, não é metáfora, não é exagero retórico. É o ponto em que a crueldade ultrapassa qualquer fronteira imaginável.

Antes que alguém se perca: o paralelo com Bacurau, o filme brasileiro de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, não é gratuito.

No filme, estrangeiros ricos chegam ao sertão para caçar brasileiros como esporte – um safári humano embalado em fetiche colonial. Ficção brutal, sim. Mas ainda assim ficção.

O que emerge agora dos arquivos italianos é pior, porque aconteceu. De verdade.

Durante o cerco de Sarajevo – quatro anos, 11 mil mortos, um continente olhando sem saber se reagia ou fingia que não via – houve quem tratasse a guerra como parque temático. Italianos e outros europeus viajavam até as posições sérvias nas colinas para atirar em civis como quem escolhe atração de adrenalina.

E, segundo os relatos, com tabela de preços: homem, mulher, criança. A barbárie tarifada, cotada, precificada.

A denúncia feita na Itália não expõe apenas crimes antigos; expõe a lógica eterna dos covardes com carteira gorda.

Atirar de longe, de cima, contra quem está indo buscar água, remédio, pão. Covardia travestida de aventura. Violência convertida em produto de luxo.

Se Bacurau imaginou o Brasil como alvo de turistas assassinos, Sarajevo foi o laboratório real onde essa fantasia doentia já havia sido testada.

A diferença é que ali ninguém voltou para casa com selfie – voltaram com a certeza de que, se ninguém vigia, tudo é permitido.

E aqui está o ponto: Sarajevo não é passado. É aviso. Aviso de que a violência, quando vira espetáculo, sempre encontra plateia pagante. E, como toda lição histórica ignorada, volta com juros, correção e novos figurinos.

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