COP 30 revela a iminência do desastre

Por Adriana Dweck

A discussão em torno da COP 30 permanece capturada pela lógica do capitalismo financeiro.

Essa captura não é acidental e expressa uma cosmologia moderna que Bruno Latour analisou com muita precisão: a separação artificial entre Natureza e Sociedade.

Dentro desse enquadramento, o clima aparece como “meio ambiente”, uma variável a ser administrada por Estados e mercados.

A Terra não é tratada como ator político, mas como cenário. Esse erro de origem limita qualquer ação real.

O capitalismo financeiro funciona como o ápice da ilusão moderna. Ele transforma o mundo material em projeções, títulos e métricas de risco.

É uma economia que opera com abstrações e prazos imediatos, enquanto a crise climática opera com materialidades geoquímicas e escalas temporais longas.

A COP tenta decidir sobre a Terra usando instrumentos que ignoram a Terra. Isso gera um descompasso estrutural entre o que se discute e o que o planeta exige.

Assim, entramos em um Novo Regime Climático, como sugeria Latour, no qual a Terra reage e deixa de ser pano de fundo. Essa reação obriga a formar novos coletivos. A política não pode mais ser feita apenas entre humanos que representam interesses financeiros.

No entanto, a COP 30 continua organizada como um fórum de governos pressionados por mercados e por grandes corporações.

Ela não é um Parlamento da Terra. É apenas um parlamento dos modernos. Os afetados diretos, comunidades vulneráveis, povos indígenas e ecossistemas inteiros não têm agência real no processo decisório.

A lógica financeira reforça ainda a fantasia moderna de que existe um Fora, um lugar a partir do qual seria possível manejar o planeta sem fazer parte dele.

Mercados de carbono, créditos compensatórios e instrumentos financeiros são expressões dessa ficção.

Transformam a destruição material em um ativo contábil negociável. Essa prática cria híbridos que mascaram o dano real com números limpos e prometem soluções sem alterar o modo de produção.

Ainda segundo Latour, essa é a forma mais sofisticada de negar que estamos amarrados ao solo.

A COP, assim organizada, falha em aterrissar. Ela não realiza o movimento fundamental que Latour chama de “down to Earth”, reconhecer que a política deve partir dos limites terrestres e das condições concretas de habitabilidade.

Enquanto a conferência permanecer orbitando em torno dos interesses do capital financeiro, ela não será capaz de produzir decisões proporcionais ao problema que pretende enfrentar.

A crise climática exige uma transformação do coletivo. A COP, capturada pela lógica financeira, só entrega administração de risco.

O fim do mundo começa quando insistimos em agir como se estivéssemos fora dele. A COP 30 não produz o desastre por si só, mas revela a cosmologia que torna o desastre provável.

Sem abandonar essa lógica, não há negociação que nos tire do impasse.

Adriana Dweck é pos-doutoranda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP)

 

Nota do editor : Este texto não representa necessariamente a opinião de Construir Resistência

 

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