Zelite Rapineira

Por Virgilio Almansur

Ora, ora!!! É tão somente assim que podemos mencionar essa ralé engomadinha: a tal elite da rapina. Elite colonial-colonizadora, burra mas intuitiva. Afinal, ela não odeia e se poupa. Ela terceiriza o ódio…

No entanto, ficamos todos aceitando considerações frugais da divisão do Brasil pós-golpe-16. Ora, ora!!! Desde ali descobrimos um brazil disfarçado saindo do armário, numa pedagógica manifestação também didática. Estamos aprendendo!

Veias velhas abertas dessa América, confrontamo-nos com esse horror fascistóide a emoldurar nossa degradada classe média, composta também por uma elite intelectual de fancaria. Boa parte dessa gente atua como sabujos dessas elites de rapina, esperando colher alguma migalha para poder se distinguir de seus pares de classe. É com esses que ombreamos…

“Eu odeio a classe média” há mais de 10 anos na boca de Chauí, prenunciava o que encontraríamos entre nós: uma estética paneleira de tontos que diziam: “… Primeiro a gente tira a Dilma. Muita corrupção… Depois tiramos o Temer, se necessário, e o próximo, o próximo, o próximo…”

Essa turminha He-Man — do “eu tenho a força” —, educada sob desenhos alienantes, começou a brotar. Carregavam um DNA reacionário, estavam nas nossas vizinhanças e muitos na própria família. E estão! Vieram para ficar. Começamos a ver…

Já no desgoverno temerista e temerário, um certo silêncio se abateu. As panelas desapareceram e o silêncio dos paneleiros era a tônica. Ficava exposta e escancarada a seletividade da opinião(?) pública e da imprensa maisntream.

Nada de novo. Marilena Chauí continuou e continua tendo razão. Continuamos abomináveis: política, ética e cognitivamente. Se acrescento a (est)ética, o faço pensando lá atrás, num tal de Barreto, o Lima, que chegou a adiantar: “… O Brasil não tem povo, apenas público! Povo luta por seus direitos; público assiste de camarote!”

Mostramos mesmo a nossa cara. Cara carnavalesca! E de um non sense a percorrer avenidas como manadas adestradas para micaretas programadas. Foi assim… Ficou claro que, para o alto comando do golpe (nossos godfathers), a mobilização da classe média enraivecida com o governo petista — miseravelmente manipulada durante o processo de impeachment — tinha prazo de validade. Tendo cumprido o seu papel, tornou-se tão descartável e incômoda quanto o barulho de suas panelas. Agora começa o descarte dos “operadores justiceiros”! Se entregaram…

No que um partido foi capturado na similaridade desviante que não é novidade entre tantos, nasceu a corrupção. É… Até então ela não existia! A dita cuja nasceu neste século e virou mote idiotizado para colar n’alguns facínoras, a exemplo de um Demósthenes Torres. Lembram dele? O ex senador fez fama como perseguidor implacável de uma cachoeira de criminosos. Justiceiro de palanque, carregava a toga do MP. Pelo menos acertou de concurso (ao contrário do juge voleur…). Era um personagem. De tão bom ator, passou a acreditar na própria farsa. Foi cassado! Tem seguidores…

Parece haver uma certa mídia querendo “isenção” e destilando um certo ódio pra inglês ver… Acredita que seu público seja tão somente BBB. Por sinal atende às demandas de muitos “Bs”: bala, bíblia, bicheiros, bandidos e o coitado do boi…

Chauí, atualíssima, não se dirige àqueles que têm entranhada a noção de povo e trabalho; ela se dirige àqueles que negam suas próprias condições, uma simples noção de classe. Quando alguém nega sua condição, expulsando de si o viés trabalho/trabalhador ou mesmo povo, seu imaginário busca o quê?

Foi num diálogo desses que me vi há alguns dias no café da Argumento, Leblon: “… Pois é, Virgílio! Quem vai pagar o pato é o povo, o trabalhador!!!”. Tive  que perguntar: “… Afinal! Você não é povo, não trabalha como um condenado 10, 12 horas/dia ou até mais?!”

Meu interlocutor ficou com uma cara de tacho; exprimiu um olhar de desilusão, vergonha, quase humilhação! Jamais poderia imaginar que faz parte de uma engrenagem a qual não vê… É a ele que Marilena se dirige. Ela fala para que tenhamos noção de que há um ódio de classe e que tal situação está presente nos inúmeros discursos presentes — principalmente nos moralistas sem moral.

Apontar para um cuidado que devemos ter com as manipulações que correram soltas nas avenidas, onde essa “pré-burguesia-barata” desfilou ignomínias, tornando-se presa fácil de terceirizações odiosas, passa a ser um viés de esclarecimento difícil e de também enxergar. Contemplar-se numa subjetividade alienada e alienante é para poucos…

Seria possível imaginar que podemos nos libertar de jugos, de opressões ou das cangas que conduziram as manadas pelas avenidas? Não houve uma carnavalização expiatória de um processo social? Estamos frustrados, abatidos e meio sem rumo há pelo menos seis anos e meio.

A temática da corrupção foi a estratégia usada para que nos lançássemos (eu não!!!) a um carnaval impotente que ficaria preso ali… Ali nas avenidas!!! E em si mesmas conteriam nossas frustrações. Voltamos pra casa e continuamos submetidos à corja de sempre, assistindo perplexos a uma 4a.feira de cinzas eterna… Para alguns a ficha caiu.

A percepção daquele ritual exauriu-se em si mesmo, no próprio “desfile”. Não deixou elementos de suficiência futura pois contou com a subserviência própria de quem “dá duro até hoje”, alimentando, superavitariamente, o primarismo financeiro.

Você pode argumentar que não concordava com um certo modelo. No entanto, fomos agredidos em nossa soberania pela justaposição de um outro modelo que não foi escrutinado. Se contarmos esse período de redemocratização precária de 30 e poucos anos com dois presidentes impedidos, nosso futuro é mesmo o da idiotia.

Ou nos conscientizamos na plenitude ou amargaremos o discurso de que “quem gosta das coisas caras não é a classe média que trabalha, é a classe mais pobre do que eu”… Eu ouvi o papagaio do Joãozinho, o Trinta… Ouvi entre livros…

Percebamos: aí está a raíz de um problema de classe, quando meu querido interlocutor, entre um gole e outro de café, aponta “o estar mais (e/ou) menos pobre”…! É com isso que aquele que não depende do trabalho quer: que você odeie e se odeie, lance impropérios, agrida, abuse das éticas próprias e galgando sua varandinha, lute por ela com unhas e dentes! Tenho certeza que aquele café não desceu bem… Lamentável!

Essa “briga” é contra um inimigo imaginário. Isso advém do imobilismo que nos cerceia e nos apateta, pois estamos todos atrás de novos sujeitos políticos que nos tragam desenvolvimento e visões alternativas; eles não veem! Quando veem, então, parecem exaurir-se pelas concepções carcomidas, velhas, ultrapassadas.

Saiamos desse imbróglio. Sairemos?

 

Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.

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