Você é baixo, Bretter!

Por Virgílio Almansur

A passagem de Lula pelo JN trouxe invectivas em quase todos os meios: da imprensa como um todo, em especial na mainstream e àquela chamada alternativa, cercada de canais que grassam no youtube além das redes sociais que abraçam blogueiros variados.

Interessante notar o quão nos cercamos de figuras pequenas e que celebram a pequenez de suas formações. Minha mãe costumava referir-se a tais pessoas como baixas. Claro! Baixas poderiam ser outras que se revelavam improcedentes ou de condutas duvidosas, inconvenientes e até passíveis de reprimenda tão imediata que jamais alcançariam elevar-se…

“… Quê mulher casaria com um manco? Só aquela rampeira do Jango — Maria Thereeeza, não é!?”

Era um amigo da família, físico-matemático e escritor, amigo de meus pais, talvez imitando o coronel Limoeiro vivido por Chico Anysio no alvorecer dos 60, entrando em casa. Vinha para as récitas das 4as. feiras, onde cantava seus poemas acompanhados ao piano por Da. Diva, minha saudosa mãe.

Fiquei com uma impressão que nunca me abandonou, pois minha mãe o repeliu, trazendo incômodo ao ambiente que se diluiu na minha lembrança se depois do encontro ou durante, quando a velha o repreendeu…

Era a primeira vez que ouvia a palavra coxo, que minha mãe usara para rebater a crítica “insolente” do amigo, palavra usada por ela acrescida de “… Você é baixo Bretter! Baixo e insolente! Um coxo não é só um manco porque quer! Jango tem muitas outras qualidades bem como sua mulher não é vulgar como você quer fazer parecer…”

Esse momento o tenho nas retinas. Tenho a voz de minha mãe reverberando até hoje, talvez mesclada a outros eventos que a memória infinda nos prega para interferir na própria lembrança como refém mnêmica…

Essa lembrança ocorre agora, quando surpreso, me dou conta das manchetes da FSP, trazendo na capa que “privatizar é bom”, enquanto meia página 2 em editorial, além delas, as privatizações, em “30 anos alavancaram a economia do país”.

No entanto, mais abaixo, o cronista Gáspari, enamorado por seus homens dignos como Heitor Aquino (um arquivista-ideólogo dos desgovernos ditatoriais, íntimo do SNI de golbery) morto há pouco, geisel e Humberto Barreto, todos próceres de 64/85, hipertrofiados positivamente na página A14; fez, ainda, a chamada com “Lula e as bolas de ferro da corrupção continuam em seus tornozelos”, insistindo que de 10 casos denunciados pelo barbarismo do MP, 9 eram reais…

“Lula precisa de um dublador”, chamada na matéria da A14, criticando os “10 tons” acima na entrevista ao JN, que não é para palanqueiros, coloca o vozerio rouco do estadista na mesma platitude do joelho de Jango, provável sequela de uma sífilis que o paralisou.

Homens pequenos como o velho Bretter dos 60 em minha cidade natal e esse Gáspari, incomodam não pela pequenez e baixeza, mas por serem eles letrados e com excelentes formações, contribuindo pejorativamente em momentos cruciais.

Se à época de Limoeiro e M. Thereza (vivida pela atriz Zélia Hoffman) do Chico City não havia redes sociais, o que faziam as televisões e grandes jornais da época? Muito! Hoje, a dispersão é imediata muito antes das publicações, gerando inseminações tão prejudiciais não deixando tempo para respiro… A transmissão é capilar e o crime e castigo já estão institucionalizados.

A ascensão de um pulha, comprometido cognitivamente, de historial marginal nas ffaa e na própria vida, com animus lucrandi, laedendi, nocendi e necandi, adjetivos que apareceram em seu laudo médico exigido pelo tribunal militar, bolsonaro chega onde chegou pela complacência de muitos jornalistas com inserção na grande imprensa. Lembremos da família Leitão/Netto. Fazem o serviço sujo pelas beiradas e depois tentam aplacar com notinhas simpáticas tuitadas a êsmo…

Sempre haverá anões intelectuais desservindo o conhecimento, plantando notícias capciosas e gerando desinformação — a estratégia vulgar editorial que domina o mundo (vide o conflito russo e ucraniano). São as visões parciais na engrenagem apresentadas como verdades plenas, que dominaram nossas TVs e jornais tradicionais nesses últimos oito anos, naquilo que a farsa ganhou primazia num convescote a jato.

Uma imprensa mesquinha, composta por indivíduos baixos, deforma e desinforma! Ela traz para a cena de momento, figuras abjetas que ampliam a componente da baixeza, dos preconceitos indigestos que ganham relevância gerando atraso abissal.

As notícias falsas ou fakenews podem ser desmontadas e muitas das vezes desmascaradas! O mesmo não ocorre quando autoridades noticiosas revelam perniciosamente a des-informação.

Antes do primeiro bebate, abri na Cultura alguns minutos antes das 21h. Lá estava um gráfico escondendo o texto no alto (“buscas pelos nomes no google em percentagens”) e indicando o despresidente com 50 e tantos porcento e Lula em 30. E ali ficou o gráfico…

Há pouco, no JG, ênfase da âncora em mostrar Lula caindo perante população com 5 salários. “… Caiu mesmo!”, insiste a jornalista.

Enquanto com relativa facilidade fatos são comparados, na desinformação impõe-se o conhecimento. Para tal se requer conhecimento bastante especializado em buscar e implicar descontrução. Não é fácil nem encontrável! Quem consegue desconstruir estratégias informativas se já são estratégias montadas para a desinformação?

O império dessa disfunção está na correspondência direta da baixeza humana, primeira expressão que contamina o animus ethos (ética vem do grego “ethos” que significa modo de ser).

Esse conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade, garantindo, outrossim, o bem-estar social, deveria encontrar respaldo íntegro na busca do exercício ético. É a forma que o homem deve promover ao se comportar no seu meio social, mesmo sob pressão.

Uma prática constante da ética teria evitado os desvãos desses últimos tempos.

 

 

Virgílio Almansur é médico, advogado e escritor

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