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Viva a liberdade de expressão

Sonia Castro Lopes

 

Quem poderia supor há três décadas que em pleno ano da graça de 2021 a #Lei de Segurança Nacional (LSN) – excrescência da época da ditadura –  ainda fosse invocada para impedir a livre manifestação de pensamento? Pois nessa semana assistimos, incrédulos, a utilização de tal documento para justificar  investigações contra o sociólogo Tiago Rodrigues, responsável pela instalação de um outdoor que comparava o presidente a um ‘pequi roído’, além de inquéritos contra o youtuber Felipe Neto e manifestantes de Brasília por ousarem enquadrar Bolsonaro na categoria ‘genocida.’ Essa mesma questão que nos incomoda  serve de mote para revisitar o passado a fim de entender quando e em que conjunturas a LSN foi criada e produziu seus piores efeitos.

 

A primeira LSN foi promulgada em abril de 1935 (Lei n. 38/1935) durante o primeiro governo Vargas para definir crimes contra a ordem política e social em uma época de polarização ideológica quando se apresentavam em campos opostos a Aliança Nacional Libertadora (ANL), de inspiração comunista e a Ação Integralista Brasileira (AIB), com características fascistas. Após a Revolta Comunista de 1935, liderada por Luiz Carlos Prestes, o governo aprovou uma segunda lei (lei n. 136/1935) que ampliou o repertório dos crimes, além de criar, em 1936, o Tribunal de Segurança Nacional, órgão ligado à Justiça Militar utilizado durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) para perseguir opositores do regime.

 

Durante a vigência da ditadura civil-militar (1964-1985), o principio de ‘segurança nacional’ adquiriu maior relevância a partir da doutrina formulada pela Escola Superior de Guerra, sob inspiração norte-americana, que aparece como filosofia oficial do novo regime instaurado em 1964. Em 1967 passou a vigorar o Decreto-Lei n. 314, que definiu os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Esse decreto-lei foi alterado substancialmente pelo ‘draconiano’ decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, que tornou mais severas as disposições da lei.

 

A LSN atualmente em vigor (lei n. 7170 /1983) foi redigida na fase final do regime e define os crimes contra a segurança nacional, além de estabelecer regras para seu processo e julgamento. Desde que foi promulgada, tem sido pouco utilizada, sobretudo no denominado ‘período de redemocratização’, após 1985.  Recentemente, ela retornou ao centro do debate político, sendo evocada por grupos que pedem a volta da ditadura, o fechamento do #Supremo Tribunal Federal e do #Congresso Nacional. Só para termos uma idéia, entre os anos de 2019 e 2020 a LSN já foi acionada 77 vezes, quando nos anos anteriores a média não passava de 11.

 

Só se pode aplicar a LSN a quem proferir discursos de ódio (racismo, homofobia ou antisemitismo) ou desferir ataques ao regime democrático, conclamando a violência e atentando contra a segurança do Estado. Por estar incluído nessa situação e por ser um integrante do poder legislativo, o deputado Daniel Silveira (PDL) foi punido recentemente. Jornalistas, influenciadores digitais ou militantes que se expressam por meio das redes sociais encontram-se fora do alcance da lei, uma vez que a Constituição Federal lhes garante o direito à liberdade de expressão.

 

Objeto de críticas tanto por parte de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quanto por diversos setores da sociedade brasileira, a Lei de Segurança Nacional vem sendo interpretada como um dispositivo que dificulta as garantias individuais necessárias a um regime democrático. A meu ver, uma lei que pontificou em conjunturas históricas declaradamente autoritárias e centralizadoras como as duas ditaduras às quais nos referimos, precisa urgentemente ser modificada. Não pode continuar sendo utilizada como instrumento de intimidação por um governo que deseja suprimir o termo ‘ditadura’ dos livros didáticos, calar a voz dos opositores e comemorar efusivamente os aniversários do golpe impetrado ao país em 1964.

 

 

 

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