Por Virgilio Almansur
Essa escumalha da situação consegue desinformar com os milhões de infectados como “vidas salvas”. Parece piada pronta; algumas amplificamos aqui pela condição estúpida que carregam. É notória a sensação de que não somos sérios no trato com a res-pública. Sinto-me por vezes mais patético que essa corja, quando ouso brincar. A troça vem-me compulsivamente, talvez como defesa às vidas perdidas.
Permitirmos esse desfile de boutades da ne pas-boutade “Le Brésil n’est pas un pays serieux” (“O Brasil não é um país sério”) — popularmente e erroneamente atribuída a Charles de Gaulle — é muito em função desses disparates diários que nossos representantes nos presenteiam; mas é também reflexo da pouca noção civilizatória que nos acompanha e que segue um mal estar na cultura.
O mal-estar na civilização é um texto icônico de Freud. Ali, em 1929, o pai da psicanálise procura discutir o fato da cultura — termo que o autor iguala à civilização — produzir um mal-estar nos seres humanos, pois existe uma dicotomia entre os impulsos pulsionais e a civilização, ou seja, entre indivíduo e sociedade. Essa percepção coloca muito bem as dificuldades nos relacionamentos entre os homens. O antagonismo entre tais pulsões, eróticas, já era fato notório e observável na tendência à depreciação universal na esfera do amor, cuja discussão se alarga naquilo que suscita a busca da felicidade — e do prazer — no tocante aos seus paradoxos.
Difícil elaborar essa dimensão, onde a cultura, para nós, sofre mutação enquanto peculiaridades que a língua impõe. A origem da palavra cultura vem de “colere”, termo em latim que significa cuidar, cultivar e crescer. A extensão de sentidos se amplia e alcança motivação pela constante troca universal. Sendo assim, a cultura está sempre em transformação, e, não por acaso Freud prefira nominá-la como civilização. Os povos se revelam na cultura. Não por acaso ela é objeto de desmonte como plano principal daqueles que visam a destrutividade. Tal exemplo, incivilizatório, é meta que nosso desgoverno revela, maximizada no desmonte criminoso de nossa história. Freud antecipou com seu mal estar presente na cultura (civilização).
Neste texto, Freud discute, antes de tudo, a questão da Ética. Tal reflexão é assunto proeminente, onde o antagonismo que se apresenta tem a ver com as exigências pulsionais e aquelas impostas pela civilização. O prisma da pulsão de morte é retomado ali, onde a Lei Maior é ignorada.
São os paradoxos da satisfação o eixo dessa empreitada que implicará no Campo da Ética. Poderemos crer que a ética do bandido, dessa banda podre que nos domina, está mais do que visível na busca da felicidade e do prazer, reiterando-se como face àqueles paradoxos.
Nem parece que estamos tratando de uma CPI DA COVID, das quase 600.000 vidas que se foram por inépcia generalizada desse desgoverno e por quem o apóia. As sucessivas presenças dessa escória que se instalou no ministério mais sensível, o da SAÚDE, representam um conto farsesco em capítulos novelescos compostos por bufões a serviço da morte.
Num dia um cabo desesperado e farsante. Noutro um sargento de US$1. Depois uma sequência de coronéis de péssimas formações e um general perverso e mentiroso crônico. Se não bastassem, um pastor desconhecedor da Bíblia, atravessador pusilânime e um político do ramo de motéis. Essa, a cara de um ministério que trata da saúde de mais de 210 milhões de brasileiros. Um saco de gatos pardos, um antro de nefelibatas ávidos por dinheiro fácil, espelhos da mãe joana conhecida como ffaa. Armaram novamente! Com suas caveiras e a negligência que desserve e nos maleficia há anos!
Minimamente procuramos nos distrair. Aqui nas redes assim procedemos. Quase uma utopia que carregamos nas brincadeiras, algo lúdico suscitado por Freud para “distrair” nossos impulsos agressivos do ato de destruir nossa própria existência e espécie. Odiando uns aos outros, principalmente por pequenas disputas e destruindo, identicamente, uns aos outros — mata-se por mesquinharias e pequenas disputas em detrimento do progresso científico.
Parte da CPI enxerga essa realidade. Não tanto por consciência e mais pela necessária preservação. Como preservar existência? A resposta virá como algo “instintual” e natural, muito além do conflito entre essa mesma natureza e as cobranças e exigências civilizacionais. Há um sujeito requerendo sentido na reflexão possível acerca da existência societária e uma certa unidade é requerida na base de uma economia psíquica. A percepção erótica está nos chistes provocados, nas blagues construídas, naquilo que disuasivamente repercutimos sem idealismo ou qualquer sentimentalismo, invocando a unidade que o amor (Eros) gera.
Nossa brincadeira, aqui, neste espaço “no que você está pensando?”, constitui uma bela metáfora lúdica que cumpre um papel econômico necessário: na medida em que a destrutividade é uma tendência estabelecida como liame fundamental nessas contendas e por isso mesmo destrutivas, Eros é invocado num esforço necessário à nossa preservação. Mas há uma contrapartida: Tánatos! É bem verdade que o que está sendo evitado, enquanto negação, é a agressividade advinda e inerente à composição dual e a presença severa e brutal do superego, agente censor implacável. Ainda bem…
A grande questão será a preservação da humanidade em meio ao conflito entre as exigências civilizatórias e a própria natureza. Um mal necessário, é a civilização mesma que nos baliza e empreende, além de nossas escapadas pela distração, uma espécie de fuga que esse homem enquanto o lobo do homem tende a nos ameaçar, pela agressividade inerente. Eros, sempre muito necessário enquanto construção, é componente que se arrasta numa competição e concorrência desfavoráveis, eis que Tánatos parece sair com enorme vantagem.
Aos uivos contantes dessa gente, que insiste na destrutividade, ainda podemos contar com alguma leveza que Eros nos proporciona, como contraponto mais do que necessário na composição fecunda que esperamos para a construção de uma sociedade menos lesiva. É possível observarmos, mesmo com atraso brutal, uma plêiade de luminares que a natureza prontamente nos oferece, para que possamos, ainda, sustar as mortes que insistem nos rodear. Às vidas perdidas somos devedores.
Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.