Por Miriam Waidenfeld Chaves
No culto de domingo, o pastor anunciou a boa nova. Sabedor do teor de sua notícia, fez suspense. Os fiéisescancararam seus ouvidos, e as moçoilas, com as mãos geladas de tanta ansiedade, olharam umas paraas outras à espera da grande notícia.
Depois de dois anos de muita controvérsia, a cerimônia “Aceito, até que a morte nos separe” estava de volta. O anúncio deixou os noivos excitadíssimos:os vinte casais, além da festa de casamento, ganhariam uma lua-de-mel em um resort.
Padrinhos, daminhas, buffet, convidados, vestido. Era disso que se falava no pátio da igreja, após o culto. E do resort, é claro!
Pertencente à Igreja do Sopro de Deus, esse espaço de convivência havia se transformado na aposta do pastor Trajano para manter os seus fiéis longe do inimigo.
“Perto de sua Igreja e distante do mundo”. Esse era o lema apregoado por ele, que conhecia muito bem as fraquezas de seus fiéis.
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Neide, Fúlvia, Marinete, Óstia e Rosinha seguiram àrisca a cartilha do pastor. Conheceram seus pretendentes num encontro organizado por ele próprio, uma figura abominável, segundo Letícia e Breno, participantes da última celebração matrimonial da Igreja.
Inseparáveis, Fúlvia, amiga mais tardia que viera de São Paulo, tinha idéias bastante próprias. Queria se divertir. Conquistar os meninos com sua malícia um tanto disfarçada. O futuro a Deus pertence, costumava dizer.
Rosinha, miúda, quase raquítica, com olhos negros invejosos, hipnotizava qualquer um que mirasse para eles. Óstia, encarnando o próprio nome, parecia um biscuit. De pele alva, sonsa, estava na vida para obedecer a mãe, a obreira mais antiga da Igreja. Marinete, fora dos padrões, penava para se adaptar àquela vida. Neide, loirinha, uma verdadeira “Maria vai com as outras”, torcia para encontrar um marido feito seu padrasto, um fiel temente a Deus.
Cada uma delas tinha o seu encanto. Não era à toa que, na época de namoro, foram as garotas mais cobiçadas e cheias de pretendentes. Juntas, animavam qualquer encontro de jovens.
Mas, lá no fundinho, tinham as suas rusgas, amainadas, é verdade, pela fé em Cristo. Quatro delas, inclusive, demoraram a escolher um noivo, pois houve muito troca-troca entre elas.
Fúlvia, namorada de Paulo, não tirava os olhos de Jeferson que, num namoro arranjado, estava comÓstia que, às escondidas, flertava com Jones, namorado de Rosinha, que cobiçava Paulo. Neide, na época sozinha, era louca por Jones. Um sujeito um tanto sem graça, mas que, segundo Fúlvia, tinha seus segredos.
Apenas Marinete não teve dúvidas. Iria se casar comLalo, o goleiro do time de futebol da Igreja. Seu eterno parceiro de campo. Quando se encararam pela primeira vez, num pênalti a ser cobrado, entenderam que eram iguais.
Tempestade serenada, Fúlvia se casaria com Celso, uma ovelha recém acolhida pela Igreja. Neide acabou ficando com Paulo. Rosinha fisgou Jones. E Óstia,depois de brigar com Jeferson, decidiu que passaria o resto de sua vida com ele.
Quando o grande dia chegou, as cinco amigas, ao som da marcha nupcial, encabeçaram a fila dos vintecasais. Fúlvia no abre alas, entrou na Igreja como uma verdadeira líder, pronta para seduzir.
Naquela mesma noite, selaram um juramento, capitaneado por Fúlvia. Marinete, como já era esperado, decidiu não participar desse apalavrado.
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No resort, a piscina, em forma de coração, foi agrande sensação. Sua água, benta pelo pastor, foipalco de inúmeras brincadeiras: caldos, pegadinhas, bateção de pernas e olhares enviesados. Como raios,cruzavam o espelho d’água em um tipo de comunicação que apenas as cinco amigas sabiam decifrar.
Da espreguiçadeira, Marinete, de fora do trato,observava a movimentação das amigas. Mais tarde,no quarto, com um balde de pipoca nas mãos,contava tudo para Lalo, enquanto assistiam TV.
“Aleluia, aleluia, nova vida ele prometeu. Deixa o senhor entrar”, ouvia-se do alto falante.
Na piscina, Fúlvia, Neide e Óstia confabulavam. Faziam planos para a noite que mudaria suas vidas. Rosinha esquecendo-se de tudo, foi cuidar de seus interesses: hipnotizou Paulo e Celso ao mesmo tempo. Mas, sem que ninguém percebesse, escolheu Celso e o carregou para a cocheira.
Ao alisarem a égua Esmeralda, seus olhos negros engoliram Celso que a puxou para si. Sob o relincho de Esmeralda, Rosinha afundou-se no feno.
E o rock continuava: “ Aleluia, aleluia, deixa eleentrar em sua vida.”
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A noite era de festa.
Na pista de dança, Marinete conheceu Clara e Lalocaiu de amores por Moisés. E como que por um encanto, a cobradora de pênalti se esqueceu de acompanhar o desfecho do trato das amigas e foi ser feliz em sua própria festa.
Enquanto isso, a piscadela de Fúlvia anunciou que chegara a hora do cumprimento do trato. Os quatrocasais dirigiram-se para a capela do resort e, diante de Cristo, oficializaram uma segunda união.
Entre as quatro paredes do quarto da líder, as amigas junto com seus respectivos maridos fornicaram até o amanhecer.
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No dia seguinte, durante o café da manhã, antes queos recém-casados voltassem para suas casas, o pastorTrajano surpreendeu a todos com a sua inesperada presença.
Exultante, abençoou cada casal, entregando-lhes de presente uma medalhinha de ouro com o símbolo da Igreja e um envelope lacrado. Numa pequena preleção, disse que ali se encontrava o segredo parasuas novas vidas.
Uma vida dedicada à Igreja.
Ao abrirem os envelopes, Fúlvia e sua trupe finalmente entenderam porque Letícia e Breno achavam o pastor Trajano abominável: se depararamcom fotografias que revelavam os pormenores dacomemoração da última noite de núpcias que haviam tido no Resort Aleluia.
O pastor Trajano sorriu, abriu os seus braços e disse:
– Bem-vindos! De agora em diante, suas vidas estarãoa serviço da Igreja do Sopro de Deus. Amém.
Miriam W. Chaves é contista e professora da UFRJ