Por Ricardo Kotscho na Folha de S.Paulo
“Se você tem vivido dias de angústia com relação ao futuro da democracia, o golpe como fraude está funcionando. O medo que nos leva a esperar, temer ou tomar providências para evitar o golpe é parte do golpe”.
Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia e autor de “Crônica de uma Tragédia Anunciada”, domingo, na Folha).
“Ameaça de golpe é bravata de bandidinho”.
(Deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), no Brasil 247)
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Dizem que cão que ladra, não morde, mas é bom tomar cuidado. Demonstrar medo pode atiçar o animal.
Em seu artigo “O Golpe de Bolsonaro”, publicado na Ilustríssima, Wilson Gomes ensina os dois significados da palavra, um estimulando o outro.
Tem o mais comum, que é sinônimo de tramoia, farsa, embuste, logro, fraude.
O outro, muito conhecido dos brasileiros desde a Proclamação da República, significa tomada violenta do poder pelos militares.
“O governo Bolsonaro e os generais seus acólitos jogam com os dois sentidos do termo”, constata Gomes. “Mas, afinal, o golpe virá, ou é só mais uma das enganações de um movimento político que não existe sem fraude ou engodo?”.
Na dúvida, acho melhor parar de falar esta palavra porque é isso que os golpistas querem: disseminar o medo e a insegurança na população que irá às urnas em outubro, para desviar a atenção do que realmente interessa, a grave crise econômica que assola as famílias brasileiras.
Dar corda ao capitão e seus generais nos ataques aos tribunais e às urnas eletrônicas para melar as eleições é fazer o jogo deles para pautar o noticiário e não falarmos mais em orçamento secreto, pastores da grana no MEC, cocaína em avião da FAB, verbas desviadas para garantir mordomias e privilégios de militares, inflação fora de controle, destruição da Amazônia, o estouro da boiada de garimpeiros e pecuaristas em terras indígenas, o colapso na saúde e na educação, os discursos armamentistas e as bazófias da falida equipe econômica.
Quando Bolsonaro repete a todo instante que só Deus pode tirá-lo da cadeira de presidente, usurpando esse poder de sua excelência, o eleitor, ele não quer apenas agradar os devotos dos “cercadinhos”, das motociatas e agora das lanchaciatas.
Essa devoção revela, na verdade, os medos que ele sente das garras da Justiça, que estão fechando o cerco nas investigações da Polícia Federal no inquérito agora unificado pelo STF sobre a disseminação de notícias falsas e a promoção de atos antidemocráticos por uma suposta organização criminosa instalada no centro do poder.
“Os Bolsonaros estão apavorados ante a possibilidade de, uma vez fora do regime de privilégios que a Presidência da República dá ao chefe do clã, terem de encarar as consequências legais dos seus atos. Consequentemente, farão de tudo para que nem sequer as eleições tenham o poder de tirá-los de lá”, adverte o professor Wilson Gomes em seu artigo.
Enquanto isso, o governo aperta cada vez mais a corda no pescoço dos trabalhadores, dilapidando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e autorizando aumentos abusivos nos preços de remédios e planos de saúde.
Parece até que desistiu de buscar a reeleição pelo voto. Quer ganhar no grito, chamando seus críticos de “psicopatas” e “imbecis”, como Bolsonaro fez no domingo, entre passeios de moto e de jet ski. Logo quem…
Vida que segue.
Ricardo Kotscho é escritor e jornalista brasileiro. Foi secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República durante o governo Lula
Nota da redação: este texto foi publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo. O Construir Resistência tem como prática não reproduzir artigos da imprensa privada, mas abre exceções para textos de jornalistas não alinhados com o golpe.