Construir Resistência
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Uma vela capenga para um defunto de palha

Por Nelson Nisenbaum

A nota publicada pelo Alm. Barra Torres, atual diretor-presidente da ANVISA dirigida ao delinquente da República pode parecer à primeira vista um libelo de coragem, dignidade, assertividade e de prestígio à ética institucional e pessoal. Mas a este observador, muito denunciadora e nada transformadora deste queira Deus transitório estado de coisas no qual nos encontramos.

A nota em si já nasce com um vício genético e congênito do fenótipo personalista. É uma nota pessoal, não assinada pelos potencialmente ofendidos pelas diatribes delinquenciais do psicopata do Planalto, e que fala de uma biografia autorreferida de fundo moralista, religioso e messiânico, não muito diferente do que se esperaria de um católico ultraconservador que ostenta publicamente e no lugar da coisa pública símbolos religiosos de sua seita inscritos ora na gravata, na lapela de seu terno e ocasionalmente na máscara facial protetora.

Esse personalismo nativo é uma das marcas do direitismo fascistóide, que olha o mundo de dentro para fora e concebe a realidade de acordo com seus filtros internos somente, e que naturalmente conduz à identificação com seus semelhantes, formando um caldo que à medida em que engrossa e fermente forma o bolo com sabor de ditadura e conspiração que leva ao poder aquele que um dia será o idiota da vez, afinal, tudo o que o fascismo burguês e religioso precisa é de um idiota de plantão para entreter a massa com as micagens enquanto os malafaias, generalecos e capitães do mato exerçam o poder de fato.

Barra Torres foi farinha e fermento desse bolo até as 23:59h de ontem, com a diferença em relação a seu chefete e padrinho no quesito “vida neuronal”. É inteligente, articulado, de certa forma culto, tem formação médica e atuação pelo menos em parte da vida nesta área, e consegue, portanto, existir em sociedade. Foi sem máscara às manifestações antidemocráticas junto ao seu chefe, antes “irreconhecível” como imbecil e violento.

Uma nota como esta, fosse dirigida a um Itamar Franco, a um Lula, ou até mesmo a um Collor, teria sim um efeito devastador. Mas a um lutador preparado e de alma quixotesca, espancar um espantalho será mesmo algo tão inspirador e impactante no momento que vivemos? Não ao meu ver. O que estamos a observar não passa de sintoma, e daqueles não tão importantes no gravíssimo quadro clínico apresentado pela nação neste momento, onde a grande instituição com delegação de poder de fato, a PGR, acalenta e balança o berço do capitão de fraldas.

E sobre a ANVISA e sua atuação nesta pandemia, já escrevi bastante. Não são santos.

Nelson Nisenbaum é médico graduado pela Santa Casa de São Paulo, especialista em Clínica Médica e chefe do Centro de Referência de Especialidades do Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

 

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