Por Andre Freixo
Não lamento a morte de um facínora que há muito testava o militante antimanicomial que existe em mim. Longe disso! Mas não há nada o que se comemorar. Para mim, a morte do tal “C* lavo pra C***lho” – uma pessoa doente, desonesta, cruel, maquiavélica, privilegiada e branca, sádica, ignorante – não desfaz o imenso estrago chamado Brasil, em que vivemos. Acho até que agora a barafunda na qual estamos pode até piorar, afinal é ano eleitoral e os apóstolos dele digladiarão entre si pela “palavra e o verbo” do velho falcatrua de Virgínia na luta quixotesca contra a “ameaça” vermelha. Ou fundarão uma religião (tudo vira religião no Brasil mesmo), um “Apostolado C*-lavista do C***lho”, ou mais um tipo de (neo)sebastianismo, com a promessa de retorno do “Rei”. Sei lá… Isso ainda deve render, gente.
Falando um pouco mais sério (ma non troppo)… Eu vejo a morte deste estelionatário um pouco como vi a morte de Carlos Brilhante Ustra, conhecido agente da morte e torturador que atuou nos porões da Ditadura Empresarial-Militar Brasileira. Apesar de identificado e condenado, ele viveu longamente (como quis, aonde quis, falou o que quis, publicou livro, disseminou seu veneno), e morreu sem conhecer o peso da lei pelos crimes que cometeu. Em uma palavra: a impunidade prevaleceu. Como sociedade, toleramos isso tudo.
Toleramos o tal do “guru” também. O estrago de “C* lavo”, diga-se de passagem, não é originário da pessoa, nem de seus escritos. Vejo-o como um oportunista, muito mais consequência do que causa de qualquer coisa (como bem analisou Álvaro Bianchi – da Unicamp). Havia uma estrutura bem receptiva ao tipo de publicações dele, em colunas de jornais de grande circulação, depois na acolhida de seus livros (prefaciado por gente que ainda se diz jornalista e ainda atua na mídia) incensando a pseudofilosofia de um pseudoastrólogo reacionário e do-en-te (não cansarei de frisar isso).
Inclusive, o estrago está na conta do tal do “brasileiro” (mas eu não vou escrever sobre isso aqui nem agora), desse “caldo” que vive de cozinhar em banho-maria, até ferver e entornar. Enfim, eu lamento muito que esse perfil doente e doentio (hoje orgulhosamente mugindo em “rebanhos”/”manadas” por aí) não tenha sido efetivamente processado e preso, como manda a lei, e que nossa sociedade mais uma vez não possa saber como é, nem como se parece, a tal da justiça (só a burguesinha, burguesinha, burguesinhaaaa… Só no filé!).
A morte deste canalha é mais uma lembrança de que a Lei e a Justiça no Brasil chegam apenas quando interessa e a quem interessa. Temos alguém empoleirado na cabeça do Poder Executivo que não me deixa mentir. Seus ex (e atuais) Ministros de Estado idem. A gente não pode se esquecer que o genocídio é real. A morte de “C* Lavo do C***lho” não vai redimir as mortes de mais de 600 mil pessoas. Eu quero acreditar que não!
Lamentavelmente, essa morte me recordou da cena final da novela Vale Tudo (de Gilberto Braga), lembram? Aquela cena do Marco Aurélio (Reginaldo Faria) dando uma “banana” para o Brasil num avião rumo aos “istêitis”. É isso que eu lamento: que não seja ficção apenas, nem mera coincidência. Esta madrugada a “banana” C*-lavista foi a derradeira, ironia pura um negacionista morrer do que ele dizia não existir, mas não deixa de ser uma saideira meio ao estilo “highway to hell”. Se isso lhe conforta, ótimo. Aproveitem o “grande dia!”, mas sejamos cautelosos.
Contudo, a morte para estes tipos é sempre uma saída fácil demais (para eles). Esse senso de catarse é curto, fraco, precário e vai passar rápido, acreditem. Esse é o meu ponto. E os problemas causados e agravados por ele e sua corja continuam e continuarão aqui, conosco. Piorando o mote que diz ser a morte um problema dos que ficam, “C* Lavo pra C***lho” morreu e deixou os problemas “para quem fica”, enquanto ele saiu de cena permanentemente. Não são poucos os nossos problemas. Nem desaparecerão com ele, e nem tão cedo, lamentavelmente. Segue a luta.
Andre Freixo é professor de História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)