Tonight! Tonight!

Por Virgílio Almansur

Admirador inconteste de Spielberg, sua ousadia na refilmagem de West Side Story já é por si só digna de conferência. Não perderia jamais! Respeito integral sem a Maria de Natalie Wood que me encantou quando ainda nem pelos dispunha… Lembro-me de minha irmã e cunhado levando-me ao Cine Colonial e depois Politeama. Passava pouco dos 11 anos… De lá para cá, creio, vi dezenas e dezenas de vezes. Vi primeiro sem entender… Aos poucos assimilei!

Dar vida e entusiamo cinematográficos a um libreto originado na Broadway, é digno de direção equilibrada, mas com aquele tino criador que poucos absorvem e nos legam como nos fez Robert Wise. Este, com a coreografia consagrada por Jerome Robbins nos 50, levaria seu brilhante trabalho para a frente das câmeras no início dos 60. Dois jovens de duas gangues rivais em Nova York é o mote! Vão se apaixonar e as tensões entre seus respectivos amigos acabarão em tragédia.

Na Broadway não é incomum, em visitas guiadas, a ênfase jovial das apresentações ensaiadas que insistem em mostrar a forma da dança sendo “retirada” das ações, num gesto tão natural, que confere ao musical uma excelência cuja coreografia é única; uma naturalidade que nos leva a voar impregnados que somos por solfejos extensivo-corporais. A mágica está ali, numa naturalidade que revela inexistência de solução à continuidade — onde os atores não diferem seus movimentos da coreografia requerida.

Spielberg se revela por não “inventar”! Consagra-se pelas tomadas consequentes e de abordagens diversas no mesmo cenário novaiorquino, reconstruindo e transferindo o que outrora aqueles inúmeros quarteirões degradados guardavam parede-e-meia: latinos, irlandeses, judeus (poucos e advindos do leste europeu), cujas contradições eram palpáveis para um cenário algo diverso, percebido também pelas idas e vindas num pulmão consagrado como o do Central Park.

Captar essa nova realidade, inserida nos mesmos anos cinquenta, guarda precioso talismã do cineasta criterioso que não ofende a memória e tão somente dá uma dimensão da particularidade captada no teatro: transição! Os elementos de recursos indisponíveis nos primórdios dos 60, talvez contrastem aqui nesses 156 minutos repletos do drama trágico que tomará o mundo novamente. Após mais de 700 apresentações na Broadway, na segunda metade dos 50, West Side Story tomou o mundo. Na filmagem de 61, o Oscar diz tudo: 10 prêmios!

Explorar rivalidades é a célula máter shakespeareana. Nosso Romeu, muito bem estilizado por Ansel Elgort, o Tony (excelentes trabalhos já mostrou, dando uma pegada brandoniana…), carrega em plenitude o que Maria (Rachel Zegler) requererá para a dinâmica combativa, mas que incluirá as “preparações” que outro par promove nos bailes escolares ao antecipar Sharks versus Jets.

Ariana deBose e David Álvarez compuseram uma dupla que trará aquela marca de pertencimento requerida pela latinidade exposta consecutivamente: “… I like to be in America! Everething free in America”, que Anita e suas meninas pontuarão mas que Bernardo contrapontuará com energia e real propósito em “… For a small fee in América!

Registre-se que as partituras são e estão reconhecidamente respeitadas. Creio que Leonard Bernstein aprovaria a adaptação. Seus filhos, em especial, Jamie, 69 anos, só elogios! O musical não perde a sonoridade dos hits e a marca de Spielberg aparecerá com seu jogo de gruas a ofertar-nos Nova York soberba com suas “gangues” étnicas a pedir presença.

Ressalte-se a latinidade composta pelo diretor de hoje, num certo contraste com Wise de 1961. Spielberg impregna sua cor púrpura para o grupo dos sharks e realça as contradições ao exprimir um jets para a referência branquela numa rivalidade quase atual entre mais e menos coloridos.

Difícil abordar os aspectos que rodeiam um sublime amor. Robert Wise nos deu West Side Story impagável, mais que sublime, apontando uma característica ímpar do cinema que transitou dos palcos para a tela condensando os humores da música ligeira numa apresentação clássica sem igual. A sofisticação gershwiniana está ínsita nos trabalhos magníficos dos colaboradores de Bernstein como Stephen Joshua Sondheim, morto há três semanas, letrista magistral que marca a obra do começo ao fim.

Upper West Side, o bairro proletário, desapareceu. Desapareceu com suas ruínas, matagais, terras revoltas com tratores a apontar novo centro, numa higienização requerida e que trouxe novo signo: o Lincoln Center. Imaginar que se quis de início, naqueles anos pretéritos, conflagrar somente judeus imigrantes, dá o tom de como era vista a ameaça intrusiva em solo americano.

Mas Spielberg internalizou, hamletnianamente, essa aldeia pequena — raiz etimológica que confere à tragédia dos pequenos espaços o semblante universal, segredo constante no libreto de Arthur Laurents, ímpar e que não pode ser esquecido. Está lá, nos bastidores da Broadway, num ano pulsátil como 1957, os ensaios brilhantes da gente comprometida com o espetáculo  e que o diretor atual muito bem captou.

Continuo West Side Story de Wise, um artesão; mas sou devoto de um diretor que tem a marca do sublime que é Spielberg. Nenhuma novidade! Pareceu esforço inútil deste que faz “duel” para não nos fazer esquecer da telona, seus efeitos, seus segredos a tornar-nos cúmplices da magia do que uma câmera é capaz de sublinhar.

Confiram! Assistirei novamente! Levarei os filhos e amigos, com a certeza de que um deles me trará Maria, Maria, Maria, da Natalie de ontem.

Enjoy

Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.

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