Por Paulo Baía no Quarentena News
Nesses últimos dias do mês julho de 2022, eu assisti a uma cena do mundo da vida, da trágica vida nos tempos do governo Jair Bolsonaro. No bairro do Tangará, no primeiro distrito do município de Cabo Frio, no Estado do Rio de Janeiro, uma jovem mãe com três filhas interpelou os trabalhadores de um mercado e de um caminhão perguntando se aquela comida e produtos estavam sendo jogados fora.
Um dos homens disse que eram produtos com a data de validade vencida.
Que o caminhão levaria os alimentos e demais produtos para serem descartados como manda a lei.
A jovem mulher chorou e pediu para que eles distribuíssem os alimentos e produtos para a população do bairro, que tem uma elevada concentração de pessoas pobres e trabalhadores de baixa renda salarial.
A maioria da população do bairro do Tangará trabalha na informalidade, em bicos e biscates, possuem necessidades de todo tipo.
O homem do mercado disse que não poderia fazer isso, pois estaria cometendo um crime. Ele tinha família e medo de perder o emprego.
O homem recebeu a concordância de todos os demais trabalhadores e lamentaram a situação.
A jovem mulher e mãe aumentou o choro.
Um dos homens do caminhão disse então: “Não podemos te dar o que o mercado vai colocar no caminhão nem tirar nada do que está dentro do caminhão vindo de outras lojas.” Mas disse que o pessoal do mercado ia colocar as caixas com alimentos e produtos com datas vencidas no chão ao lado do caminhão, e todos eles iriam fazer xixi.
Assim foi feito, as várias caixas ficaram no chão, fora do espaço do mercado, ao lado do caminhão fechado.
A jovem mulher e mãe correu em casa, pegou umas sacolas e com mais quatro pessoas pegou uma boa quantidade de alimentos.
Eu assisti, chorei. Por lealdade àquelas jovens e pobres pessoas não fotografei nem fiz um vídeo com meu celular.
A jovem mulher e mãe e as outras quatro pessoas se foram para suas casas com rapidez , mas sem correr.
Os homens do mercado e do caminhão voltaram, recolheram as caixas vazias e colocaram no caminhão as que continham algum produto no caminhão baú.
Nada falaram, se abraçaram e um gritou “Glória a Deus”.
Vida que segue em dia de sol ameno na paradisíaca cidade de Cabo Frio.
Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.