Construir Resistência
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Tem um “biricutico” para eu dar uma “paulada”?

Por Luiz Galvão Soares

Tem um “biricutico” para eu dar uma “paulada”? Ouvi esta pergunta de uma adolescente quando cheguei na Cracolândia, no bairro da Luz, em São Paulo. Era minha primeira reportagem sobre a dependência do crack no final da década de 80. Na verdade, a garota queria saber se eu tinha “uma pedrinha” para ela “fumar”.

Bem magra e suja, quase não conseguia segurar a “ferramenta” (o cachimbo) de tanto que tremia.  Naquela época não eram tantos os usuários no bairro e nem havia tendas ou barracas com mulheres de traficantes dispondo em bandejas coloridas, iluminadas de neon, variados tipos de drogas.

Havia apenas “amontoado”  de pessoas de todas idades e classes sociais diferentes que perambulavam pelas calçadas com cobertores cinzas, também usados para impedir que o vento apagasse as chamas dos isqueiros e cortassse a “brisa”, o “barato”, o efeito.

Não era difícil prever  que o uso desta droga iria virar uma “epidemia” , como vemos hoje, especificamente no bairro da Luz. Depois de terminada minha reportagem, honestamente, senti preconceito, repulsa e execrava o submundo do crack, mesmo já tendo usado cocaína.


Mas crack?? Eu??

Enxergava naquela região um verdadeiro limbo, cheio de zumbis. Julgava e chamava todos de “nóias”. Vi muitos catando “pitilhos”, restos de drogas. Agachados e desesperados para encontrar restos pelo chão, com os dedos das mãos. E os dedos ficam batendo no chão, como uma “nóia”.

Aliás, as “pedras” passavam de mão em mão. O perigo era alguém ter um estilete ou canivete. Vi um garoto bem “chapado” pegando cocô de rato para fumar , pensando que era “pedra” de crack.

Continuei fazendo matérias, entrevistando psiquiatras, psicólogos e dependentes químicos. As políticas públicas de Saúde e combate ao tráfico eram (e são) ineficientes, mesmo vendo o sofrimento que esta droga trás. Também mantive meu preconceito e aversão. Até 1995, quando uma amiga de trabalho, de repente, me ofereceu. Resisti. Mas, a minha curiosidade foi maior. Eu dei uma “paulada” e me apaixonei pela droga. 

Mas existe vida após o vício e é possível a recuperação de uma dependência química. O que aconteceu depois de 95, eu volto a contar para vocês em outro “capítulo”.

 

Luiz Galvão Soares é jornalista profissional, formado pela Faculdade Cásper Líbero, com graduação em Convergência de Mídias. Foi repórter, editor, chefe de reportagem nas principais emissoras de TV.

  

  

 

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