Participei ativamente de duas campanhas de Suplicy, lá no fundão dos anos 1980, para a prefeitura e para o governo do Estado. De graça, obviamente, trabalhando até altas horas na produção e edição do programa de rádio. Naquela época, não havia nada digital. Era corte na fita magnética mesmo. A meu lado, os compas Jura Souza e Humberto Scavinsky, entre outros.
Quando o encontro, sou um anônimo. Ele não se recorda da minha cara ou do meu nome. O mesmo serve para outros companheiros que trabalharam para elegê-lo, lá atrás. Ele apagou todo mundo da memória, há muito tempo.
Pensa que fico chateado com isso? Nem a pau. Dane-se. Continuo achando Suplicy supimpa. Gosto dele e o elogio sempre que posso. Sobre a colaboração esquecida… Ah, porra, eu não faço política em busca de assinatura. Eu só quero, utopicamente, ajudar a mudar o mundo.
Nesta terça-feira, infelizmente, nosso querido vereador mostrou que não tem a mesma visão sobre a participação na luta política. Interrompeu o lançamento oficial das diretrizes do programa de governo da chapa Lula-Alckmin, reclamando por não ter sido convidado e pela suposta ausência de uma proposta sua no documento.
Não me animo a discorrer sobre o fato, em si, nem sobre as tretas antigas e mal resolvidas entre ele e Mercadante. Mas quero dizer, sim, que esse tipo de atitude prejudica imensamente a campanha de Lula e fornece material combustível para a direita e sua infame mídia corporativa.
E é por causa dessas dissensões, calcadas no pé capenga da vaidade, que avançamos tão pouco e tão lentamente.
Tenho assistido a esse fenômeno há quase cinquenta anos, em atividades educativas, em movimentos sociais, em organizações partidárias e até mesmo na constelação da consciência coletiva.
Avançamos no passo da tartaruga. Recuamos na celeridade de um deus Hermes. Darcy Ribeiro fez muita coisa na vida, mas ficou mais famoso pela frase na qual reconhece que fracassou em tudo que tentou. É, pois, um retrato fiel de nosso ethos nacional.
Mas por que, afinal, tantos passos largos para trás? Talvez o assunto mereça uma abordagem sistêmica, organizada, com crivos científicos, mas vou me adiantar na intuição.
As coisas, aqui do lado progressista, não avançam porque temos uma obsessão pela ASSINATURA.
Emulamos os caprichos vaidosos da cátedra. Tudo precisa ter uma assinatura, a fim de se acumular registro de autoria, referência para o Lattes, pontuação para o programa, coleção de citações na mídia, crédito social, curtidas e compartilhamentos.
Então, nada se move sem algum tipo de pagamento pessoal. O fazer é derivado dessa compensação pelo crédito, uma busca que se intensificou com o advento da Internet.
Aguarda-se sempre o presente da exposição via assinatura. Sem esse mimo, nada se faz. A insana procura pelo protagonismo de rubrica trava todo mundo, mas especialmente a esquerda, que se julga libertada do fetiche do dinheiro.
Como não é bem assim, se não rola o retorno pecuniário, a disputa é pelos bitcoins intangíveis de reputação. É um game sem fim, briga de foice (e martelo) no escuro, entre iguais, cada qual reivindicando validação de mérito, mesmo quando quase nada foi efetivamente realizado.
Esse MMA por louros, confetes e salamaleques acaba provocando enorme e rápida erosão nas equipes, seja numa redação, num grupo de inovação e em um coletivo social.
Entre as equipes de trabalho brasileiras, prevalece a gameficação interna do ofício, quase sempre terminada em treta e ressentimento. Pontifica o desespero por exposição, reconhecimento e fama, mesmo que minúscula e efêmera.
Não à toa, seguindo os EUA, tornamo-nos um paraíso de influencers, essa gente que passa o dia e a noite em disputas ególatras, consultando registros de visualizações e carteiras de seguidores.
Agora que o dinheiro físico está sumindo, o fetiche do capital se transferiu para outros ativos. A guerra sem fim é por assinaturas. É por isso que avançamos para trás. E é por isso que somos tão lentos, tão inconsolavelmente sozinhos, e cada vez mais amargos.
Mas como a ordem é resistir, sigamos em frente. Viva Suplicy! Viva Lula! A missão, agora, é libertar o país sequestrado pelo fascismo. O resto a gente discute depois.
Arte: Nguyen Phong Tran