Submetido a um estresse tremendo, o jornalismo está prestes a explodir

Construir Resistência recomenda uma leitura atenta do artigo escrito pelo presidente da #APJor – Associação Profissão Jornalista – publicado no site da entidade:

Fred Ghedini* avalia a degradação da profissão de jornalismo nos últimos 40 anos, levada ao fundo do poço com a hegemonia das grandes plataformas de redes sociais. e aponta caminhos para a superação dessa crise, entre eles, várias iniciativas importantes que a APJor desenvolve ou participa ativamente

 

É típico de uma manchete jornalística afirmar tendências como se elas já tivessem se realizado integralmente. O que passa por grandes mudanças “explode” ou “acaba” ou “implode”… Já li em algum manual que, para chamar a atenção do seu público, o jornalismo apropriou-se da linguagem de guerra. É verdade. E por isso mesmo é preciso olhar sempre com algum cuidado para os termos usados por nós nas manchetes. E preste atenção porque os termos usados podem ter mais de um sentido. Duvida? Então leia o artigo até o final.

No caso em questão, o jornalismo está sim submetido a um estresse extremo. E os jornalistas profissionais, esses então estão submersos na lama de uma profissão que se degradou também ao extremo. Não é incomum ouvirmos relatos de pessoas que trabalham por R$ 500, para “ganhar experiência”, mesmo tendo passado quatro anos nos bancos escolares de uma faculdade de jornalismo. Alguém discordaria de que isso, na frequência em que se manifesta hoje, é sinal de uma degradação extrema?

O que aconteceu com a profissão?

Essa seria uma conversa deveras longa. Contudo, para não tomar muito tempo do leitor, fiquemos no resumo o mais resumido possível.

Dos anos 1980 para cá houve uma certa degradação do jornalismo porque os melhores profissionais foram deixando as redações para ganhar um pouco melhor nas assessorias. As redações passaram a pagar cada vez menos, os sindicatos negociaram sempre para elevar o piso, mas a média salarial veio se achatando inexoravelmente. Hoje, posso dizer de cadeira – fui presidente do Sindicato de São Paulo por duas gestões e acompanhei muito bem isso entre 2000 e 2006 – que nós, jornalistas, nunca ganhamos tão pouco nos últimos 40 anos.

De 2000 em diante, o fator de degradação responde por outro nome, o da tecnologia e das empresas originárias do Vale do Silício, nos EUA. Mais precisamente as famosas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e as empresas que também vieram de lá, como Google, Facebook e suas congêneres.

No que diz respeito à tecnologia e seus efeitos sobre as condições de vida e trabalho do(a)s jornalistas, as coisas começaram a ficar bem visíveis para mim quando as pessoas passaram a “almoçar” sobre os teclados dos computadores, o que acompanhei bem de perto com o surgimento do iG, primeiro, e depois quando o hábito se espalhou por todo lado. A tal ponto que hoje imagino as mães jornalistas – aquelas poucas e corajosas que se aventuram a ter filhos na situação em que vivem – trocando as fraldas de seus bebês na mesa de trabalho, do lado do notebook e falando ao celular ao mesmo tempo.

Podemos então dizer que a tecnologia sob o capitalismo levou a uma superexploração da mão de obra – não só do(a) jornalista, diga-se. Contudo, além desse aspecto – de o processo de “revolução digital da sociedade” ter nos levado a condições de trabalho inaceitáveis –, as plataformas digitais inventaram formas de sugar algo como 70% de toda a receita publicitária do país, deixando para o jornalismo nada mais do que o osso. Todo o complexo jornalístico ficou à míngua.

Assim, juntando alhos e bugalhos, se as empresas jornalísticas já pagavam mal seus profissionais, imagine o que está acontecendo neste exato momento.

Fim do mundo?

Sem dúvida a situação está bem ruim. Mas será o fim do mundo? Penso que não, porque há muitas lutas dos trabalhadores “uberizados” em andamento. No jornalismo não é diferente.

Como presidente de uma pequena organização de jornalistas, a APJor, voltada para a inteligência e a articulação de soluções entre nossas organizações, temos atuado em várias frentes para ajudar a profissão a sair com vida da cratera em que estamos metidos.

A saída passa pela união das organizações de jornalistas para enfrentar uma situação próxima do caos. Concretamente, temos apontado algumas soluções e buscado costurar articulações visando a unir nossas forças.

Unir esforços não só entre nós mesmos, organizações de profissionais, mas, em alguns casos, também com as empresas jornalísticas. E aí vem o lado bom da história. O lado que pode ficar muito bom, se houver a esperada união.

De cara é possível afirmar que há um embrião de diversidade muito maior no jornalismo brasileiro de hoje do que há poucos anos. Além das grandes empresas jornalísticas de sempre, temos uma série de experiências bem sucedidas que hoje se agrupam em duas associações – Associação de Jornalismo Digital (AJOR) e Associação Brasileira de Mídia Digital (ABMD). E temos uma miríade – e aqui não se trata de simples força de expressão, pois são mesmo milhares de blogs e sites jornalísticos – de iniciativas com um ou dois profissionais que fazem jornalismo. Alguns com jornalismo de muito boa qualidade.

Então, qual o problema? O problema é que a maioria esmagadora dessas iniciativas não consegue ter uma perspectiva de autossustentação econômica.

Daí, duas soluções não excludentes aparecem no momento. A primeira, que a própria APJor articula, junto com ABI, ABCPública, ABI baiana e outras organizações de jornalistas, sob o nome de Movimento Conteúdo Jornalístico tem Valor e que patrocina o projeto de lei 2950/2021, apresentado pelo deputado Rui Falcão (PT/SP). O projeto de lei visa a obrigar as proprietárias de plataformas digitais e buscadores a pagar jornalistas e veículos diretamente, quando seu material jornalístico é republicado na internet. Também temos conversado com o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) para que possamos nos entender a partir do seu texto apresentado ao Senado em 2020 (PL 4255).

A segunda solução é a iniciativa da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) de discutir a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), uma taxação especial sobre o faturamento das plataformas, na origem, para sustentar um fundo que injete recursos no setor, com um olhar voltado para a pluralidade dos veículos jornalísticos.

Há uma terceira iniciativa, do deputado Denis Bezerra (PSB-CE), que apresentou em abril PL 1354. Também pretendemos conversar com o deputado, cujo projeto visa a trazer recursos para as empresas e não para os jornalistas, como aconteceu com a lei australiana.

Explosão do bem vs. explosão do mal

Trabalhando em conjunto, com essas duas inciativas, teremos condições, mais adiante, de fazer com que essa verdadeira explosão de diversas linhas editoriais de cores ideológicas muito diversas possa prover informação de boa qualidade ao público brasileiro, com grande diversidade.

Complementarmente, trabalhamos também para resolver outras questões como a da regulamentação da profissão, que está claramente com problemas, assim como a aprimoração da legislação que coíba o assédio judicial a jornalistas, colocando limites razoáveis para evitar indenizações que os obrigam a fechar as portas. Ao mesmo tempo, também atuamos junto com o Instituto Vladimir Herzog e a Artigo 19 na formação da Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores. Aliás, construímos o Dossiê APJor do Assédio Judicial a Jornalistas, reunindo 26 casos que envolvem 17 repórteres, e vamos apresentá-lo no bojo de um seminário sobre o tema a ser realizado em novembro.

Não são muitas as frentes de ação, mas são voltadas ao essencial, no momento, para que a “explosão” a que se refere o título não seja no sentido da eliminação, mas de um crescimento enorme e sustentável do jornalismo brasileiro.

* Fred Ghedini é jornalista e presidente da APJor

Para saber mais:

Sobre os projetos de lei: PL propõe que plataformas paguem direitos autorais a jornalistas

Íntegra do PL 2950/2021

Íntegra do PL da CIDE no Senado

Movimento Conteúdo Jornalístico tem Valor

Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores

Associação de Jornalismo Digital (AJOR)

Associação Brasileira de Mídia Digital (ABMD)

Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

Associação Bahiana de Imprensa (ABI, BA)

Leia diretamente no portal:

http://apjor.org.br/submetido-a-um-estresse-tremendo-jornalismo-esta-prestes-a-explodir/

 

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